Vilar de Mouros
O frio era muito. Viemos descendo o monte da Pena entre constantes aparições das ilhas dos Amores e da Boega e da foz do Minho, no horizonte, e múltiplos alarmes - Cuidado! - tal a sinuosidade da estrada e a idade provecta das máquinas que compunham a caravana. Loivo (assim se chama a freguesia lá no alto, a mesma etimologia de "lobo"), infelizmente surgiu nenhum. Passando Gondarém não demorou Vilar de Mouros, o berço dos festivais de musica em Portugal.
(O primeiro decorreu em 1970. Era miúdo, calhou estar em Caminha com os meus Pais, em passeio com um sacerdote amigo. A confusão era a maior. E na esplanada uma hippie portuguesa, muito soltamente vestida, não sabia o que fazer ao Filipe, o seu namorado. - Filipe!, Filipe!, atina! - Mas o Filipe não atinava nem se tinha em pé; e se encostado a uma parede escorregava por ela abaixo. Naquele desespero, a pequena congeminou reanimar o Filipe com um café forte: e, ao trazê-lo, tropeçou e despejou a chávena toda na farda rigorosa do nosso padre. Enfurecimento deste, um aflitíssimo pedido de desculpas daquela... - Mas o Sr. Padre não vê o estado do Filipe? - assim com ar de quem tem ainda, pela frente, uma viagem até Lisboa.... O eclesiástico de pronto se acalmou e penitenciou, oferecendo outro café ao Filipe... o qual, em que lugar do universo andará agora a deslizar nas paredes ou a sorver cafés para atinar?)
Por esta altura Vilar de Mouros descansa as horas breves do sol na margem oposta à da pista do festival. Passou ao lado da capela de Santo Amaro e atravessou a ponte medieval sobre o Coura, vagueia por ali.
Talvez se debruce na amurada e se remire nas águas aceleradas que as chuvas engrossaram. Ou nas pedras bem talhadas dos seus edifícios,
mesmo, porque não?, no zelo das suas alminhas.
As horas passam e o silêncio permanece enquanto a caravana não retomar a estrada. A algazarra é somente dentro do restaurante, onde as medidas do bródio foram mal tiradas e chovem reclamações por mais uns nacos de vitela. Saí espartanamente para o povoado, que percorro de recanto em recanto, para cima do Coura a sondar profundidades sonhando trutas. E no empedrado que vem da capela, o passo pachorrento de um cavalo de tiro.
A montá-lo, a muda serenidade da amazona, disfarçando mal a sua curiosidade, tanto quanto eu a minha. Todavia, nada falei. A moça ia muito bem posta na sela mas podia ser ainda alguma neta do Filipe e da namorada... E começar a desatinar.