Um minhoto na Capital
A minha última visita ao Jardim Zoológico ocorreu há uma dúzia de anos e acompanhava-me uma avis rara que ainda hoje perfaz o catálogo dos meus pesadelos. Nossa Senhora! Como é possível o vazio canoro ser tão insuportavelmente sonoro?! É claro, o trauma permaneceu até quando, o outro dia, me desloquei a Sete Rios em busca de um bilhete de autocarro para o Norte, que os comboios tomaram o gosto às greves.
Mesmo aí, em Sete Rios, fui dar com a loiraça minha amiga, badalando das pulseiras que sempre a localizam entre a multidão!!!
Olhou-me um tanto embatocada, necessitara ir a Monsanto e depois, distraída... - Vá lá, confesse, teve saudades do Jardim Zoológico... - atirei, algo paternalmente. E a minha amiga sempre foi reconhecendo não desprezaria um hambúrguer no seu McDonald's... - Olhe, já agora fazemos uma visitinha... Também nem me lembro da última vez...
Condescendi. Ele há gestos que só mesmo um cavalheiro minhoto... Desde logo os dois bilhetes pagos, uma quase incalculável fortuna. E depois arrastar comigo a gaiola toda das araras e catatuas em que a minha tilintante amiga se transformou.
Porque o Zoo de Lisboa é o melhor da Europa. Porque garante a preservação de espécies em vias de extinção. Porque era bendita (e original) a criação de um cemitério para os animaizinhos de estimação...
E eu sofrendo ante o sofrimento da bicharada em cativeiro, pensando quão felizes são os javalis, vidas inteiras em liberdade destruindo as colheitas dos lavradores, para depois morrerem de um tiro só. E somando jaulas e mais jaulas vazias, não abundarão os dinheiros, culpas do covid... O lince, recriado o seu ambiente natural, afirmar que ele está lá é um momento de fé. O rinoceronte fémea andava em cio, mas a palração da minha amiga, as pulseiras todo um alucinado Woodstock, inibiram o macho e impossibilitaram eu assistisse (e fotografasse) o maior salto actualmente disponível na natureza. Evitei o reptilário, não fosse as serpentes acordarem da sua hibernação, quebrarem furiosas os vidros das gaiolas e ainda me ver espremido por alguma piton. Enfim, quase me voluntariei para dar banho ao urso pardo e disfarçar aquela vergonha escanzelada.
Até que chegámos às girafas. Esticando o pescoço às folhitas que lhes dão, sossegadas e afáveis, com paciência a jeito de umas festas despreocupadas no focinho, como às nossas éguas lusitanas. Não fosse o gritinho da minha amiga, não sei por que zunido de insecto voador. A girafa assustou-se, retrocedeu e atirou ao ar uma parelha de coices com os quartos traseiros. Como se acossada por um leão...
Jardim Zoológico? Nunca mais! McDonald's? Só se o lince me convidar.