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Jam Sem Terra

(MAS COM AS RAÍZES DE SEMPRE)

Jam Sem Terra

(MAS COM AS RAÍZES DE SEMPRE)

Um minhoto na Capital

João-Afonso Machado, 10.02.23

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A minha última visita ao Jardim Zoológico ocorreu há uma dúzia de anos e acompanhava-me uma avis rara que ainda hoje perfaz o catálogo dos meus pesadelos. Nossa Senhora! Como é possível o vazio canoro ser tão insuportavelmente sonoro?! É claro, o trauma permaneceu até quando, o outro dia, me desloquei a Sete Rios em busca de um bilhete de autocarro para o Norte, que os comboios tomaram o gosto às greves.

Mesmo aí, em Sete Rios, fui dar com a loiraça minha amiga, badalando das pulseiras que sempre a localizam entre a multidão!!!

Olhou-me um tanto embatocada, necessitara ir a Monsanto e depois, distraída... - Vá lá, confesse, teve saudades do Jardim Zoológico... - atirei, algo paternalmente. E a minha amiga sempre foi reconhecendo não desprezaria um hambúrguer no seu McDonald's... - Olhe, já agora fazemos uma visitinha... Também nem me lembro da última vez...

Condescendi. Ele há gestos que só mesmo um cavalheiro minhoto... Desde logo os dois bilhetes pagos, uma quase incalculável fortuna. E depois arrastar comigo a gaiola toda das araras e catatuas em que a minha tilintante amiga se transformou.

Porque o Zoo de Lisboa é o melhor da Europa. Porque garante a preservação de espécies em vias de extinção. Porque era bendita (e original) a criação de um cemitério para os animaizinhos de estimação...

E eu sofrendo ante o sofrimento da bicharada em cativeiro, pensando quão felizes são os javalis, vidas inteiras em liberdade destruindo as colheitas dos lavradores, para depois morrerem de um tiro só. E somando jaulas e mais jaulas vazias, não abundarão os dinheiros, culpas do covid... O lince, recriado o seu ambiente natural, afirmar que ele está lá é um momento de fé. O rinoceronte fémea andava em cio, mas a palração da minha amiga, as pulseiras todo um alucinado Woodstock, inibiram o macho e impossibilitaram eu assistisse (e fotografasse) o maior salto actualmente disponível na natureza. Evitei o reptilário, não fosse as serpentes acordarem da sua hibernação, quebrarem furiosas os vidros das gaiolas e ainda me ver espremido por alguma piton. Enfim, quase me voluntariei para dar banho ao urso pardo e disfarçar aquela vergonha escanzelada.

Até que chegámos às girafas. Esticando o pescoço às folhitas que lhes dão, sossegadas e afáveis, com paciência a jeito de umas festas despreocupadas no focinho, como às nossas éguas lusitanas. Não fosse o gritinho da minha amiga, não sei por que zunido de insecto voador. A girafa assustou-se, retrocedeu e atirou ao ar uma parelha de coices com os quartos traseiros. Como se acossada por um leão...

Jardim Zoológico? Nunca mais! McDonald's? Só se o lince me convidar.

 

Pequei mas com atenuantes

João-Afonso Machado, 05.02.23

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Eu não queria ficasse zangada comigo esta boa, excelente, apetecível gente, -  tão severa e ciosa do seu partido dos faisões. Foi ontem a largada e não sei ainda se estive lá. Não sei dizer. É certo, viajei de carro com duas senhoras que são como duas irmãs e toda a comunidade jantou na véspera, e pernoitou, em Santarém. Todavia, ninguém me apanhará a informação de que os tiros foram na Azambuja. Qual Azambuja?! E todos pensarão foi em outro lugar qualquer, na Golegã, por exemplo; ou no Cartaxo... Então historiar pontarias afinadas, isso jamais. Até mesmo será arriscado aludir ao cozido à portuguesa do almoço, não vá sair-me à estrada a tribo ululante dos vegetarianos, noite fechada no regresso, eu e as minhas duas senhoras que são como duas irmãs, e se deliciaram também com o cozido, com o festival de entradas, uma panóplia inteira dos enchidos.

Portanto não jurarei aventurei-me além de Santarém. E se avancei uns passos mais foi agachado debaixo dos sobreiros, escondido de uns passarões enormes, de asas como aviões, que tropeçavam no céu e caiam com estrondo, aos rebolões.

Nada mais anotei com interesse, além da lindíssima casa onde alarvemente nos entregámos aos prazeres de Baco, o mestre autor do cozido à portuguesa. Enfim, pecámos o nortenho pecado original, esse em que todos nascemos segundo a catequese. Por falar nisso, e porque nos ensinaram a praticar o bem, não sei como, deparei no carro onde vinha de volta - eu as duas queridas senhoras que são como duas irmãs - com uma valente sacada de faisões. Há que partilhá-los! E o Sr. Martinho, aqui do restaurante em frente, em devida altura receberá a matéria-prima para o grandioso estufado. Estão todos convidados, minha boa gente! E se me perguntarem - É faisão? - já sabem a resposta - Sim, é, havia hoje no supermercado...

Porque quanto à Azambuja, moita carrasco!... São coisas antigas, amizades herdadas, avós que escreviam nos seus testamentos - Lego-te este amigo cujo pai já era amigo do meu. Trata-o como um irmão (lá está...) e se lhe faltarem os cartuchos reparte com ele os teus até ao último tiro! - E eu se não andar por aí nas minhas cerebrações, nas minhas explorações, a saltar da toca é para me encontrar com esses (abraços e reprimendas - Fugiste?! -) com quem há não sei quantas gerações faço fogo para o ar, como e bebo, especulo e sofismo, e todos damos vivas ao Rei! Um grupo tamanhão, ainda por cima.

Que essa herança, ou esse atavismo, me sirva de atenuante...

 

Vilar de Mouros

João-Afonso Machado, 01.02.23

O frio era muito. Viemos descendo o monte da Pena entre constantes aparições das ilhas dos Amores e da Boega e da foz do Minho, no horizonte, e múltiplos alarmes - Cuidado! - tal a sinuosidade da estrada e a idade provecta das máquinas que compunham a caravana. Loivo (assim se chama a freguesia lá no alto, a mesma etimologia de "lobo"),  infelizmente surgiu nenhum. Passando Gondarém não demorou Vilar de Mouros, o berço dos festivais de musica em Portugal.

(O primeiro decorreu em 1970. Era miúdo, calhou estar em Caminha com os meus Pais, em passeio com um sacerdote amigo. A confusão era a maior. E na esplanada uma hippie portuguesa, muito soltamente vestida, não sabia o que fazer ao Filipe, o seu namorado. - Filipe!, Filipe!, atina! - Mas o Filipe não atinava nem se tinha em pé; e se encostado a uma parede escorregava por ela abaixo. Naquele desespero, a pequena congeminou reanimar o Filipe com um café forte: e, ao trazê-lo, tropeçou e despejou a chávena toda na farda rigorosa do nosso padre. Enfurecimento deste, um aflitíssimo pedido de desculpas daquela... - Mas o Sr. Padre não vê o estado do Filipe? - assim com ar de quem tem ainda, pela frente, uma viagem até Lisboa.... O eclesiástico de pronto se acalmou e penitenciou, oferecendo outro café ao Filipe... o qual, em que lugar do universo andará agora a deslizar nas paredes ou a sorver cafés para atinar?)

Por esta altura Vilar de Mouros descansa as horas breves do sol na margem oposta à da pista do festival. Passou ao lado da capela de Santo Amaro e atravessou a ponte medieval sobre o Coura, vagueia por ali.

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Talvez se debruce na amurada e se remire nas águas aceleradas que as chuvas engrossaram. Ou nas pedras bem talhadas dos seus edifícios,

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mesmo, porque não?, no zelo das suas alminhas.

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As horas passam e o silêncio permanece enquanto a caravana não retomar a estrada. A algazarra é somente dentro do restaurante, onde as medidas do bródio foram mal tiradas e chovem reclamações por mais uns nacos de vitela. Saí espartanamente para o povoado, que percorro de recanto em recanto, para cima do Coura a sondar profundidades sonhando trutas. E no empedrado que vem da capela, o passo pachorrento de um cavalo de tiro.

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A montá-lo, a muda serenidade da amazona, disfarçando mal a sua curiosidade, tanto quanto eu a minha. Todavia, nada falei. A moça ia muito bem posta na sela mas podia ser ainda alguma neta do Filipe e da namorada... E começar a desatinar.

 

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