A Adega Gavina
A memória guarda imensas coisas: já vão longe os estaleiros de Vila do Conde, sob a capela de Nossa Senhora do Socorro, de rampa aberta ao Ave. A rua era estreita e contornava a penedia (a capela no topo) e os vidros do carro, se abertos, engoliam todo o resultado da arte e da infrene azáfama dos carpinteiros: o serrim do madeirame, o ruído do cavar das enchós e do vaivém das plainas. No tempo das muitas traineiras em construção a rolarem pelos toros, obra concluída, até ao rio, baptizadas com uma garrafa de espumante e a benção dos gestos e dizeres do pároco local. Os estaleiros estalavam de gente da faina que, naturalmente, acabava o dia na prodigalidade dos tascos a lavar as gargantas de tanta poeira e a desdizer da sua ingrata vida.
Assim nasceu, ali ao lado, a taberna do Gavina. Em 1953...
As décadas tudo mudaram. Mataram a arte dos carpinteiros e levaram o estaleiro - agora feio, quedo, metalizado - para a margem oposta, em antigos terrenos de aves pernaltas na Azurara. Na banda de cá, repentinou-se um jardim, lugar de devaneio e turismo. Talvez ainda na vida do sr. Abílio Monte, o pai da taberna do Gavina (nome de família perdido, conquanto na minha advocacia no Porto haja tido um cliente com esse apelido...), mas não demoraria a percepção da mina de ouro, o restaurante ao serviço das gentes da praia. Precisamente no sítio dos bagaços de outrora, na primeira quina de quem vem do poente para nascente.
Viu a luz o dito restaurante em 2007 com o nome de Adega Gavina. Casa rija e procurada, que se mantem aberta o ano inteiro.
Lá fui com três amigos e uma almoçarada nesta época estival dos veteranos de Vila do Conde. Enfim, três amigos traduzem uma palração muito além das poucas capacidades do meu espírito. Mas ainda assim não correu mal.
Recebeu-nos o Sr. Gabriel Monte, o actual proprietário e neto do fundador. Escolhe, não escolhe, eu esfomeado - felizmente servido como "entrada" por uma inimitável patanisca de bacalhau - perguntei pelo bife invocando a minha carência de dentes...
Que me sossegasse, era do lombo, era manteiga. Pois então, escolha feita. E o Sr. Gabriel falou com rigor. O bife (uma rara opção minha) foi um regalo. Delicioso! E acompanhado do branco da casa, sem rótulo, proveniente de Amarante, região de transição para o Douro, esperto como o alho, a oferecer-se sempre mais. O leite-creme em açucar queimado rematou o bródio e obrou as minhas pazes com o mundo. Tudo inesquecível!
Mas será de esclarecer, a especialidade da Adega Gavina é o peixe grelhado. E no Verão - o meu inverno vilacondense - o almoço ou o jantar são espécies raras e fugidias, reclamando espera, paciência e resistência. Ou a prévia reserva. Pela parte qe me toca, nada disto tenciono provar. Por isso as minhas futuras visitas apenas até Julho. Para mais um excelente almoço (palração afora) e o mui simpático e atencioso serviço. Obrigado, Sr. Gabriel!