Histórias perdidas
Não há história mais destelhada do que a recente. Porque é, à nossa vista, uma rampa para a ruína todos os dias descendente, de olhos fechados como o cadáver em velório, como ele já incapaz de responder à nossa curiosidade e, por minutos, chegássemos um nada antes, talvez ainda uma voz de a custo dizer - Eu fui a senhora tal, o orgulho do meu pai, um batalhador que me fez, um salta-pocinhas mineiro ou esclavagista, não sei, homem dos mil ofícios, andarilho por mundos que vos conto...
Faltar-lhe-ia então o tempo de contar. Mas ficava o mote, a gente chegaria lá...
(O tráfego na estrada, vizinha outrora tão prezada, ensurdecedoramente engarrafa os sons e as memórias. Está chegando o cangalheiro com os pesarosos anúncios - "Faleceu", "Vende-se". E os abutres sobrevoam os restos da defunta na ânsia de poisar sobre o melhor preço...)
Tudo treme em volta e na poeira constante vão-se, entretanto, as partes moles: as portadas e as janelas. Depois o caruncho dos homens come-lhe os soalhos e até quaisquer azulejos com preço na traficância. A mais podridão contém todo o género de lixo acumulado na corrosão dos anos.
Fosse um caso isolado seria uma desgraça apenas. Mas é uma epidemia. Um pútrido amontoado de restos mortais sob silvados que são a decomposição da própria terra. Da nossa terra, de nós mesmos, é claro.
(Verte sangue a derradeira amnésia sob que que caiu mais uma telha. E, à cautela, não há quem não fuja sempre mais para a banda...)