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Jam Sem Terra

(MAS COM AS RAÍZES DE SEMPRE)

Jam Sem Terra

(MAS COM AS RAÍZES DE SEMPRE)

Restaurante Quinta dos Lagos

João-Afonso Machado, 28.06.23

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Foi há já muitos e muitos anos, todo aquele terreno o escavaram e para ali condutaram as águas da quinta. Resultou um belo lago, profundo, atestadinho de trutas arco-íris. Horas, dias, toneladas de peixe graúdo pescado com um caniço de 1,80 metros, nylon fininho e a paciência bastante para cansar o bicho sem que o fio rebentasse até lhe deitar a mão. A lembrar o meu querido primo João, sublime expert nas artes da pesca.

Em Remelhe, Barcelos. O restaurante surgiu depois e, além das trutas, oferecia ao freguês todo o cardápio típico minhoto.

Estivémos lá recentemente, um consistente grupo de amigos. Mesa e prato reservado, uma ampla sala com vista para as águas lacustres, agora povoadas de achigãs e patos-reais. A escolha recaiu num arroz de frango de cabidela, uma especialidade não incluída nas minhas preferências. Porém hei de reconhecer - estava excelente! E um parceiro comentava - A ciência está nas doses de vinagre que se lhe ajuntam. 

Deve ser isso. A cabidela marchou que nem estufado de perdiz... Escoltou-a um vinho forte, o Monte Velho tinto de 2021. Sem veleidades para com a acidez do prato.

Houve lugar a felicitações ao pessoal da cozinha. E à voltinha da praxe. Ali em Remelhe, no Minho mais minhoto, a quem lá passar fica a recomendação do lugar de Moldes e da harmonia do seu conjunto arquitectónico formado pelas antigas casas da Família Trigueiros. Onde se localiza também  o restaurante Quinta dos Lagos. 

 

"Tango" (bis)

João-Afonso Machado, 24.06.23

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Procurem no You Yube o pequeno vídeo com um excerto do filme Perfume de Mulher em que Al Pacino (no papel de um cego) dança o tango Por Una Cabeza, de Carlos Gardel, com Gabrielle Anwar. É toda uma Argentina imensa e dispensada ante esse sublime bailado - viril e sensual, diante nós, irresistivelmente envolvente.

Foi para mim o primeiro grande marco.

Depois aconteceu no Porto A Semana do Tango. E uma certa tarde chuvosa, passava eu na Praça D. João I, deparei e gozei (a máquina fotográfia anda geralmente comigo a tiracolo) o espectáculo de um grupo de espontâneos - a aparelhagem em bom som - exibindo o seu saber.

Apaixonei-me rapidamente por todas as senhoras participantes, quis-las comigo, então e sempre, mas,  tal não sendo realizável, cheguei a casa e escrevi o meu Tango. Assim:

 

Como se não chovesse

não fosse rua ou realidade

 

(olhares molhados

corações encostados)

 

e houvesse credo   eternidade

o compasso um-dois

(um-contemplado   dois-apaixonado)

um-dois vezes quatro 

funda cidade

(sete envergonhado   oito-apunhalado)

 

jeito devasso

som sem tecto

movimento inteiro

ângulo recto   perna esquecida

 

(um-dois vezes quatro

para toda a vida)

 

volta atrás   demora o passo

acordes no ar   humidade remida

(um-dois vezes quatro)

praça rendida   instante fugaz

abraço sem idade   mãozita audaz

um-desejado   dois-apertado   três-pecado

quatro-loucura

vezes alma pura

 

e o corpo dançando

a música a esmorecer  o braço agitando

o amor que lhe vai

a morrer   a morrer

num último ai…

 

E creio que o dancei com uma qualquer femme fatale surta no meu espírito. Dancei, voltei a dançar, ainda hoje danço. De olhos fechados. Tal como Al Pacino dispensava a luz para a mestria sua que nunca será a minha.

 

Castelo Novo

João-Afonso Machado, 19.06.23

Era feriado e as gentes talvez tivessem partido para a manifestação. Ou simplesmente dormissem abrigadas do calor que já se fazia sentir. Iamos no adeus às terras do Fundão, deixáramos para trás Alpedrinha e uma paragem em Castelo Novo pareceu uma incontornável obrigação. A visitar aquela fortificação que foi dos Templários, foi velha, acumulou lendas, tornou-se menos velha e agora repousa preguiçosamente ao sol, não longe da Matriz local, reminiscência de mais um antigo concelho que o Constitucionalismo rapou do mapa.

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Estávamos ainda nas faldas da Gardunha e de tanta acumulação de granito,

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enfiados num buraco que há de matar de frio no inverno e de desidratação no estio.

Na berma da estrada, uma ou outra tasquita, mas nem sombra de cavaleiros antigos e armados de ferruguem, ou das empoeiradas sotainas dos clérigos tonsurados de outrora. A vida parecia subsistir mais para cima, quase no topo da elevação. Para lá seguimos.

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Uma vida asseadinha, diria, tratada com meiguice. Mas tímida, se calhar espreitando pela portilhola, e ao mesmo tempo endurecida, seca, muito rude.

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A aridez de Castelo Novo era quase excessiva. Mas o povoado era nosso nesta breve passagem. E assim vasculhamos os seus recantos e o seu mutismo ao longo de uma saudável ausência de automóveis.

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As serranias, a fazerem-lhe o cerco, mais braveza transmitiam à antiga vila

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e uma voz somente se fez ouvir, nada em tom de boas-vindas - uma voz canina, pasme-se, a voz de um camarada perdigueiro

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irado, completamente fora de si, ladrando alucinadamente. Impossível o diálogo, as notícias dos seus que eu lhe trazia do Norte. Senti Castelo Novo inteira quase hostil!... Mas acalmei, enfim, já no seu ponto cimeiro,

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à vista de um pouco de verde minhoto (esse verde que tanto enfastiava Torga...) nas heras de uma casa bem ajanelada e avarandada - também ela fechada - mas decerto receptiva e generosa para um jarro de água fresca. Não fosse eu de cerimónias...

 

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