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Jam Sem Terra

(MAS COM AS RAÍZES DE SEMPRE)

Jam Sem Terra

(MAS COM AS RAÍZES DE SEMPRE)

Na Lousã

João-Afonso Machado, 29.07.23

Vila antiga e sobrecarregada de lugares antigos. Posta no distrito de Coimbra, a sul, entre o arvoredo da sua Serra, onde o antigo Rali de Portugal fazia história cantada no mundo inteiro.

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No ponto em que o Centro caminha para o Interior e a antiguidade se firma dentro do burgo.

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A Lousã evoluiu, ostenta o estranho fenómeno de deter uma das dez primeiras equipas de rugby nacional (proeza alimentada por um senhor da terra que estudou em Coimbra...), não prescindindo de alguma modernidade feita de propriedade horizontal que não necessita elevadores... - e esquecidas não ficaram as antigas casas senhoriais nem as vielas que são sempre uma saudade.

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Mais além, trepando a estrada, fica o castelo. Já não rodeado da moirama inimiga, mas onde o elemento vegetal bem pode conspirar o incêndio.

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Perigo temível!!! Sempre candente. Os lousanenses decerto não esquecem essa castelania vigilante. Mas a desanuviar as tropas, quando as candeias por momentos se apagam, e a Lousã fica somente o berço do Licor Beirão (páginas para um dia além...), sobra a praia fluvial da Senhora da Piedade, muito lá no fundo, 

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o castelo quase uma miragem, numa ribeira que me dizem apelidada de S. João, nascendo não distante da cascata a montante

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onde já o recreio principia e a Lousã se refrigera. Por ali as gentes bebem o sossego

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e, na sua pequenez, o mundo é grande de oportunidades, a modo de as pessoas serem felizes. É como acabo: generosidade e imaginação de quem dá, e boa vontade agradecida de quem recebe. A Lousã só pode não esquecer esta distinção.

 

Ainda os faisões (parcerias amigas)

João-Afonso Machado, 24.07.23

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Tinham sobrado de Fevereiro e urgia o golpe de misericórdia nesse manancial a estufar. A D. Alexandrina e o Sr. Martinho convidaram para sua casa... Estava lá também o Sr. António e a sua Senhora, a D. Cristina, que eu não conhecia.

Sala fresca, mesa posta, umas entradas e o verde da terra. Calmia total...

Logo se ouviu o galináceo cantar no descer das nossas goelas. A menina Marta, filha dos anfitreões, ajudava na faina, bem como o jovem Rodrigo, três anitos e muita devoção a Maria, Nossa Senhora. Veio a meloa, caindo em cima do faisão a dar-lhe o golpe terminal. E mais um copo de vinho. O Rodrigo continuava em extâse perante a imagem de Fátima...

Era ao almoço mas houve fados. No terraço, o tanque regorgitava de peixinhos encarnados à sombra do canavial. E o cantar, muito letrado de viveres marítimos, acompanhava-se à viola da D. Alexandrina e pelo banjo do Sr. Martinho.

Gente amiga é assim nestas bandas. Feita de conversa, brincadeira e generosidade. Por isso me dou bem na minha terra, onde ainda consigo explicar que um faisão morto por uma cartuchada sofre menos (e é maior) do que um frango doméstico de pescoço serrado na cozinha.

Entardecia. E vim de regresso. Amanhã será a partida para outro destino. Mas adormecerei aquilantando o peso de ouro desta camaradagem. Enquanto não, goze-se bem o silêncio de Julho aqui entre nós.

 

A última página do "Arauto"

João-Afonso Machado, 20.07.23

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E estes dias de canícula descem ligeirinhos e atentos a rua quase deserta; vão atrás do director do nosso semanário, da sua descomposta gravata, do fato que o atormenta sob o pino do sol.

O sr. director é também o redactor, o compositor, o informador, enfim, uma reportagem completa, revista e sempre apreciada. O lápis, o bloco nas mãos, e o chapéu a atrapalhá-lo a cada prezado conterrâneo com que se cruza... É que, não tarda, o jornal vai para as máquinas com um desinteressante naco do último discurso do Presidente do Conselho mais uma severa reprimenda aos varredores municipais, um alerta à Câmara, não se admite tanto desleixo nos nossos jardins públicos.

É claro, a crónica sobre as exéquias da Olivinha será um sucesso. Tão nova, tão gentil menina, levou-a a tísica, e depois um fartar de gente, nos turnos, às borlas, a fechar a urna e a guardar a sua chave. O nosso semanário não perdeu pitada, um nome sequer dos que ao velório acorreram, a enciclopédia toda das flores nas suas coroas amimando «aquele rosto sempre belo, ainda agora sorrindo». Sem dúvida, o jornal chegará aos leitores húmido das lágrimas dos «inconsoláveis pais da Olivinha». Mas a semana foi fraca em acidentes. O sr. director expressou-o bem, ficou muito sensibilizado com a visita à redacção daquele ricalhaço regressado do Brásiu. E não lhe escaparam quantas - que não foram muitas - famílias partiram em vilegiatura para o litoral ou para as termas. Calhou até de alguém ir veranear para a Cruz Quebrada, lá para as bandas de Lisboa.

Já o carnet dos aniversários não rendeu mais de um quarto de coluna... E nem um operário, um trolha, um bêbedo que fosse, ao menos a cair e a fracturar um dedinho, para acordar o hospital da sua modorra, ser notícia!

O nosso jornal tudo se encarrega de saber e transmitir. Esta não é uma vila de segredos. Mas se nos próximos dois dias não morre mais alguém - se fosse para nascer ou casar já se sabia... - ou se no empedrado da rua não chiam os travões de um automóvel ou caminheta, nem badala a sineta do pronto-socorro dos bombeiros... Ai meu Deus!, aí vamos nós banquetearmo-nos com os paquetes oceano fora, ou com as delícias da confeitaria... em linóleo na última página do Arauto...

 

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