Sem falhar, até ao fim
Passa por mim todos os dias às mesmas horas. Sempre no seu andar corridinho, chova ou o calor lhe banhe o corpo. Ainda assim, o cigarro muitas vezes aceso, longas baforadas de fumo e os pulmões trabalhando a todo o vapor.
É muito nova, de perna esguia, andarilha, e a expressão de quem já viveu, e vive, dores e padecimentos que não são os da sua idade nem se suportam sozinha. Consta que vem de longe, diz que de Famalicão no comboio até Nine. Depois são estes quilómetros a pé, quatro para cá e outros tantos pró regresso. É, desde há meses, a professora da escola local.
O povo fala... Tem dois filhos que entre si não fazem a diferença de um ano. Deixa-os com a avó deles e à noite, chegando, ainda vai de casa em casa vender livros para ajudar ao sustento dos moços.
Cumprimenta sempre - "bom dia", "boa tarde" - por quem passe na estrada. Aqui atrasado, indo eu de carro, parei e ofereci-lhe boleia. Agradeceu muito mas recusou. E não valia a pena insistir, todo o seu olhar era um mar inteiro de resignação ante as oportunidades perdidas. Quanta tristeza, quanto cansaço navegando nele!
Deixei-a por isso na berma, bem ciente do todo que lhe apetecia aceitar a boleia e embarcar comigo. Mas o tempo não pára, passado e presente confundem-se e o futuro acaba por nos vir à mão, já ou daqui a pedaço... A verdade é que agora somos casados. Ou fomos. Ou continuaremos a ser. É difícil apartar o ontem, o hoje e o amanhã. Mais fácil será explicar que aqueles pulmões trabalhando a todo a vapor, - deu-lhes um dia a doença fatal. E nada acabou, há quem diga nem mesmo começou, porque tudo está desde as trevas inscrito no destino.