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Jam Sem Terra

(MAS COM AS RAÍZES DE SEMPRE)

Jam Sem Terra

(MAS COM AS RAÍZES DE SEMPRE)

"Soneto de Souselas"

João-Afonso Machado, 30.08.23

Ninguém disse que Souselas é a aldeia mais bonita de Portugal. Mas geralmente se afirma, isso sim, ter sido o lugar de maior saudade da nossa adolescência. Entre carros de bois, uvas moscatel, passeios de burro, matraquilhos, bicicletas e muita gente que se conhecia toda entre si.

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Dois rios atravessam Souselas - o Botão, o principal, e o Resmungão, seu afluente. O ponto de encontro de ambos chamava-se Encruzilhadas e a partir daí, posso garantir, as águas eram minhas, diariamente minhas, e o peixe também.

(Ó Heitor, sei que estás velho, desculpa lá aquela minha intempestiva entrada no Ramalhão, tu em silêncio de eremita, anzol minúsculo e isco estudado, há horas à espera do teu barbo...)

Gozava-se o mais completo hedonismo em Souselas antes da chegada da CIMPOR. (A vida do Avô felizmente antecipou-se-lhe e foi embora...) Depois berrou-se o conflito que a televisão transmitiu em directo, depois ainda não sei se não terá havido submissão popular... Hoje as gentes choram os velhos tempos fraternais, e eu torno a Souselas para as despedidas.

Assim corri a terra, entre o muito antigo,

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o antigo desconservado,

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o engraçado em ruína

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e o feioso do quotidiano.

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E espreitei a lombriga gigantesca, a CIMPOR, devoradora de serras inteiras, parasita desta pobre terrinha onde até já chegam os autocarros dos Transportes Urbanos de Coimbra.

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Mas já não consegui dizer adeus aos rios, tal o canavial que lhes tolhe o acesso, como os silvados onde antes foram vinhas e milheirais de margens e barbas bem rapadas. Vim de volta, pois.

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Para trás ficou uma casa branca, enorme de recordações, a pingar lágrimas de inconformismo - a casa que herdámos do Avô (sou um de 32 netos seus...) e que conhece agora o fim dos seus dias connosco,

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embora eu não o deixe transparecer neste meu, escrito então,

SONETO DE SOUSELAS

Já são estes nossos tons do dia final,

Quando o Avó Custódio nos guardava,

- Idos Avô, a página encerrada,

Não sei dizer Avô, se bem, se mal.

Levo o rio, o peixe, levo o seu sinal,

Levo também sonhos, água lavada

Em pardelhas, corrente sossegada

Em anos tantos, serra imemorial.

Porque nada, nada fica em Souselas,

Sequer um ai!, uma lágrima qualquer,

Assim foi Avô, assim Deus disse e quer.

São muitas as saudades, tantas elas,

Casa imensa, casa de sempre que é

E sempre será – a Casa dos Nazareth!