A Senhora da Lapa, em Quintela (Sernancelhe)
Vai para uma dúzia de anos eu caçava muito por ali, que as pernas ainda faziam proezas justificadas pela abundância das perdizes. São estas as breves notas de um passado de que sobra apenas a Nossa Senhora da Lapa. Lá voltei há pouco, numa revisita cheia de saudade.
A descrição não precisa de ser longa: estamos no topo de um morro e o solo reveste-o uma camada alargada de granito onde o tijolo não floresce.
Depois, para explicar as coisas, a lenda (creio que a lenda sobretudo): a pastorinha Joana, que era muda e inocente, onde nessas penedias descobriu, em 1498, uma fenda na qual se abrigava a imagem da Senhora. Decorreu então o que todos percebem ter acontecido, a pastorinha ganhou voz falante, houve quem quisesse levar a imagem da Senhora que, intransigentemente, voltava à lapa de origem. Improvisou-se o remédio: sobre a penedia foi construída a ermida que, já no século XVI, os Jesuítas transformaram em igreja. Com um santuário em volta e culto implantado.
Actualmente, visitar o templo de Nossa Senhora da Lapa tem até uma aposta: contornar o pedregulho subterrâneo, a centímetros da parede. Só não o conseguirá quem vier carregado de pecados... Pois devo confessar, da primeira vez passei incólume; desta última senti-me apertado, tornei para trás - ou por causa do almoço abundante ou do pouco relaxe da minha consciência que me acusa de gula.
Vale a pena visitar a hagiografia do templo depois da pedra-barómetro das almas. São de somar as horas ali passadas, não se dando o caso da avalanche dos romeiros e dos seus autocarros e automóveis estacionando a destruir boas fotografias. Em dias em que algum cantinho na nossa velha pedra não seja devassado.
Lugares morto-vivos, erectos mas imóveis de gente; ou então recantos microscópicos
mini-retratos do Outono, as cores do arvoredo tão bem dizendo com o granito reinante...
A findar: nas traseiras do Santuário nasce o nosso Vouga. É um borbulhar de águas, nesta época a pluviosidade a vitaminá-las, mas é ali o berço. Depois será o descer da serra. Serão até as trutas, mais abaixo, - sem que a poluição, o bicho-homem, façam das suas, - o império dos barbos e das bogas, as águas remansosas.
E depois o mapa indica Sever, Albergaria, a marca fumegante do nojo de Cacia, a Ria em toda a sua abrangência... Um Portugal atravessado em linha descente de nascente a poente, de Sernancelhe (Viseu) a Ílhavo (Aveiro). E, no termo, a Costa Nova (por razões que não vêm ao caso) para mim o "altar dos Amigos".