Ao serão
Findara já a época das aventuras. E também o Tempo, mais precisamente, a cronologia. Dá o toque a lareira, um estranho cubículo onde não cabem os antepassados que, no entanto, estão lá. E a conversa a quatro é diária e corredia.
Todos falam. Primeiro o Bisavô, o dono da velha arma belga com que o bisneto, aos 15 anos, caçou o primeiro coelho. (O Bisavô era danado por lebres e célebre a sua matilha de galgos.) Depois dissertararm os breves 43 anos do Avô, as suas proezas venatórias de miúdo vigiado pelo Ferreira, homem de confiança da Casa. Já o Pai (querido longevo Pai) transbordava em perdizes e andanças durienses onde fazia questão de rebentar, por exaustão, os guias locais. O filho (o neto e bisneto) já nem espaço tinha para acrescentar algo. Falaria dos seus perdigueiros portugueses, como a Casa nunca os teve... Somente arguía - guardava ele o espólio e tinha algumas histórias de lebres (para espicaçar o Pai, que nenhuma matara) e um caderninho pouco apontado de perdizes e javalis.
Nada obstando a que os seus antecessores, comodamente assentados (ele, o rapazola, no chão, de pernas traçadas à chinesa), inquirissem ferozes sobre a outra arma. - Pois foi uma oportunidade, alguns tiros sem pólvora preta, algumas codornizes... e a arma laqueada, o estoiro à vista, a parede como remedeio.
A assembleia sossegou. O Bisavô acendeu um charuto quando o Avô ajustou o monóculo na sua esquálida figura. Com o querido Pai a dar conta de mais um cigarro. Permaneceu calado o rapazito sexagenário. O mundo é feito de épocas, e as épocas feitas de histórias. Está para vir o tempo das memórias do bisneto-neto-filho. Mas só quando os perfis das calibres 16 e 12 - ambas o símbolo de uma gente de espírito sadio - falarem a contar a seus corridos caminhos.
Porque assim é, sentindo o sangue em si, o menino sexagenário se enquadra (à confiança) numa cadeia sem fim, elo após elo...