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Jam Sem Terra

(MAS COM AS RAÍZES DE SEMPRE)

Jam Sem Terra

(MAS COM AS RAÍZES DE SEMPRE)

Audácias de peão

João-Afonso Machado, 11.06.24

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Lembro-o aos domingos, as tardes inteiras a jogar cartas com o meu falecido avô. Era eu gaiato descalço, correndo rua abaixo com o aro e a verguinha enganchada a guiá-lo.

Criei-me e casei, enquanto o Sr. Porfírio envelhecia no mundo só dele, cauto de conversa e de dias diversos uns dos outros. Mas há de ter sido o seu pai, ferrador, quem lhe tirou o medo ou lhe deixou a bengala. Bem sei, os automóveis ouvem-se a rugir ao longe e buzinam a anunciarem-se, e a gente mede o tempo. Mas as curvas rasteiram as distâncias, disfarçam ecos e velocidades, o piso empedrado escorrega como sabão e uma passadeira não é um castelo. O Sr. Porfírio teima, insiste, coxeia indiferente na travessia da rua. Logo depois da curva. E eu é como se me soasse aos ouvidos o chiar dos travões, o tropel da chaparia cromada colhendo o Sr. Porfírio, a sua bengala e a sua saca, o Sr. Porfírio levado nos ares sem um ai!, sem um minuto mais, sem um susto sequer, já a caminho do Céu. Tão depressa, tão depressa, que a ambulância dos bombeiros, quando chegou, nem deu com ele.