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Jam Sem Terra

(MAS COM AS RAÍZES DE SEMPRE)

Jam Sem Terra

(MAS COM AS RAÍZES DE SEMPRE)

Decerto a final memória vilacondense

João-Afonso Machado, 30.08.24

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Vai morrendo a velha Avenida que foi a espinha dorsal de todas as histórias. Surgem às janelas vozes assustadas, terá corrido a maldicência de algum contágio pestífero; outros fogem já em direcção à Vila e parte do casario é morto, fatalmente. Nem o incontável  número dos automóveis estacionados opera o milagre de ressuscitar a nossa Bento de Freitas, menina e moça de outros tempos de saber ser e estar.

E na praia, entre as fileiras de barracas, há pombas pousando sempre que surge o homem das bolas de berlim... Migalhas, valha-nos serem só migalhas... e o areal estreitado, uma multidão que não quer saber e prolifera.

Ainda assim o sol. E uma comedida nortada. Subitamente duas ou três caras conhecidas e apresentações, são avós, há filhos e netos e respeito. Decorreram mais de trinta anos...

Arrisco o labirinto das barracas e quase tudo me é estranho. Por vezes um vulto, uma memória, uma fisionomia ainda no meu arquivo mental. - É ele, sem dúvida!... - Mas sou apenas eu com os meus botões, os botões dos outros brilham de hoje, por norma num mundo não o meu, sem Cronos nem o fio condutor do Passado.

Não esqueço aqui as gaivotas. Lá permanecem, esganiçadas e sociais. Entre magotes de eles e elas, degrauzitos abaixo, junto à rampa para a borda de água. Na agonia da Avenida, talvez a praia guarde ainda ilhéus de saúde. Averiguarei.

 

Eternidades de Egas Moniz

João-Afonso Machado, 27.08.24

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Eu justamente horas a fio a conhecer o Antero, lendo extractos de correspondência sua, os seus desabafos, a sua incapacidade de «caminhar direito pela realidade» sem o amparo de «todo um sistema de ideias transcendentes» - eu nessa meditada leitura, e uma tarde de sábado a levar-me aos milenários lugares de Paço de Sousa. Aos baixos relevos, tão faladores, daquele túmulo cavalgado pela eternidade dos guerreiros que muito comoveriam o Antero, tal a sua determinação e o rumo convicto das mesmas curtas existências couraçadas.

Egas Moniz. Garantem uns, o pai genuíno de Afonso Henriques; para a História, um exemplo de resignada fidelidade, descalço e de baraço ao pescoço ele, o aio do Rei, e os seus familiares.

Naquele recanto do mosteiro, Egas Moniz sem dúvida transcende-se. A História também é feita da nossa crença e da nossa fé. É um filme que se desbobina do sepulcro do herói medieval, lição em movimento de granito trabalhado, a curiosidade de hoje e amanhã, um encadear de sensações vivas que o Antero buscava, buscava, como se se tratasse de aspirinas para a sua «doença do infinito».

 

O Alfândega

João-Afonso Machado, 23.08.24

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O avantajado edifício amarelo, com todos os sintomas de história antiga e restaurada, galardoado em museu, vem dos idos de D. João II, quando sobrava movimento e abastança nos estaleiros e no porto marítimo de Vila do Conde. A - assim denominada - Alfândega Régia peneirava todos esses negócios e só o século XX, pusilânime e triste, lhe fechou as portas e deixou a rapaziada dar as suas fisgadas nos vidros das janelas. Passava-se e nem se reparava. Foi preciso chegar o tsunami turístico...

O restaurante, o Alfândega - porque não o Alfândega Régia?... - é mesmo ali na extremidade e a sua esplanada trepa a rampa da velha casa controladora.

O proprietário já nos conhece de vista. As funcionárias também. Vai havendo sempre mesa para nos sentarmos à primeira tentativa. E hoje a escolha recaiu no bacalhau assado na brasa. - Com batatas cozidas, se faz o favor!

Chegam umas entradinhas para dar início às operações: a broa de milho, umas tostas, o usual paté, umas azeitonas de confiança. Enquanto o peixe ainda navega na cozinha, vem também o primeiro jarro de verde branco. Porque hoje é a brincar, estão comigo duas cegarregas, os apuros do paladar ficaram em casa e o vinho, em barril e tirado à pressão como a cerveja, simplesmente é frescura e pouca graduação, os jarros fazem fila para a mesa.

Ao invés, o bacalhau é trabalho esmerado, um sedimentar de lascas nem muito nem pouco salgadas, carnudas, sem espinhas que as manchem. A menina do atendimento vai participando na conversa, sempre atenciosa e pronta para mais um dose de vinho que o bacalhau teimava em nadar.

Somente à sobremesa a pequena partida. Digamos que uma praxe... em que sempre caímos e, por isso, nostra culpa. São o cheesecake, a mousse de limão e o mais, tudo vindo até nós em embalagens de plástico! Uma sensaboria, um ultraje à sagrada memória do honrado bacalhau.

Cá fora, enfim, ao longo do rio, o mosteiro de Santa Clara, todo reparado, a cara lavada; a marina e os seus veleiros; a sempre muda réplica da caravela quinhentista, maré queda ao sol e algum excesso de gente, talvez. Mas é o Verão e a Vila do Conde da nossa infância. Como a mousse de plástico, com tanta filharada aos almoços e jantares...

 

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