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Jam Sem Terra

(MAS COM AS RAÍZES DE SEMPRE)

Jam Sem Terra

(MAS COM AS RAÍZES DE SEMPRE)

O Stop, restaurante na Marinha das Ondas

João-Afonso Machado, 29.09.24

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Foi o acaso de combinar um almoço com o irmão de um grande amigo, recentemente levado pela doença maldita. Tinha sido a razão pela qual calcorreei o Litoral Centro, numa peregrinação de saudade. Eramos muito novos, frequentávamos a Praia da Leirosa, tragávamos a noite numa - assim lhe chamávamos - "boite" de só amigos, boa música, muito tabaco, algum namoro e jogo de cartas. Altas horas, findas as actividades, eu recolhia a casa; o meu querido amigo montava a bicicleta e ainda fazia uns quilómetros até à Marinha das Ondas, sede da freguesia, onde residia em férias.

Pois foi nessa terra à far-west, uma estrada marginada por casario e pouco mais, que o JP, amigo, irmão de amicíssimo, me encarreirou para o restaurante Stop. Ele convidava, conhecia o Sr.  Carlos Neves, o proprietário... Já não era cedo, a fome esbraseava. As entradas foram quase uma súplica, um copo de cerveja, paté, queijo e pão. Depois, mais pousadamente, a escolha - dada a circunstância das boas relações do JP com o proprietário, à confiança, seguindo a sugestão deste último.

Açorda de robalo e camarão - disparou o Sr. Neves. Com tal pontaria que não houve alvitre. Que viesse ela, a açorda, se possível a galope. E assim foi.

Nada mais agradável. O problema das espinhas, que aflige qualquer comedor de peixe, mostrava-se inexistente. O das malditas casquinhas do camarão também. Comemos, comemos e voltei a comer, eu só, o JP já não dava conta de mais recados. Bebeu cerveja, o malandro, ignorando os meus doutos conselhos de um branco fresquinho, marca Melão, não sei onde cultivado.

E ambos seguimos o conselho do Sr. Neves: sobre a açorda uma nadinha de piripiri. A coisa ganhou sabor e fez mais sede. Foi dar-lhe e dar-lhe mais. Por um instante: - Ó Sô Neves, vá lá pescar mais um robalo, que a gente espera... Mas ambos acabámos no acordo de que já chegava.

Não sei quando voltarei à Figueira, menos ainda à Marinha das Ondas. Mas quando isso acontecer, o Stop é paradeiro certo. Sô Neves, não esqueça por favor, aqui o velho Machado!

 

Artes de hoje

João-Afonso Machado, 24.09.24

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Estou em que o calado armazém na berma da estrada fechara já. Ou, por qualquer razão, não apresentava sinais de vida, deixando os portões ao serviço dos mais atrevidos. Nada era de realce senão o seu imenso canteiro cheio de cor e originalidade. Quase uma miragem nos pragmáticos povoados do Centro. Por ali, um nada além de alguns utilitários estacionados, o grande Volvo abatido ao efectivo. Sepultado e florescendo assolapadamente.

Não houve como não atentar no jarrão. Adivinhavam-se muitos quilómetros de andamento, uns tantos toques de escultura pós-neo-realista na carroçaria... O resultado, a carcaça de uma viatura produto fino da alta burguesia encobrindo-se na imparável trepadeira de glórias-de-amanhã.

É um sinal. O sinal de que a revolução verde está em marcha encobrindo, batalhando, esverdeando. Como outra revolução qualquer. Se o filme findasse aqui, gozaria de toda a simpatia do caricato. Até talvez fosse inspirador. Mas, creio bem, a película acabará em pneus e estofos podres e metal ferrugento somente disfarçados; ou então numa bonita trepadeira amarfanhada pelo reboque serôdio que veio buscar a sucata.

Isto é, em Portugal, ou melhor, na República Portuguesa, os meios artísticos e a Natureza pisam caminhos díspares. Andam nos extremos, não se conciliam, destroem-se mutuamente, não há quem lhes segure o freio. Um automóvel pode ser um vaso florido ou uma chocadeira de ratazanas. Dependendo tudo sempre do ponto de vista de quem vai a votos contra quem antes os ganhou.

Por mim, os restos mortais do Volvo já agora ficavam, com as devidas cautelas sanitárias e uma certeza: todos os "Bordalos" que nos infestam teriam de rever o seu portfólio.

 

Roda 20

João-Afonso Machado, 20.09.24

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Está lá há quatro dias, a minha bicicleta... Há quatro dias apeado e triste, vendo-as passar por mim aos bandos nos passeios, na rota da praia, nas tardes todas.

Tudo por causa do maldito furo e do pneu careca a substituir. E do Sr. Barros da oficina ao lado da ponte, sempre a dizer, a jurar e a mentir - Amanhã está pronta, rapaz. Não houve tempo, amanhã depois do almoço...

E eu volto e não está pronta. Nem o furo, nem o pneu novo, nem o guiador ao contrário, para ficar como as bicicletas de corrida, nem os punhos que já escolhi, punhos de mota com protectores.

Sem guarda-lamas, sem mais atavios, a minha bicicleta roda 20 até voa. O recorde da volta ao circuito está em três minutos e eu já consigo os nove. Com o serviço que o Sr. Barros não despacha deverei baixar logo para os seis ou sete e o resto é continuar a treinar...

Mas as motas passam-me à frente. Dentro da oficina do Sr. Barros, quero eu dizer. É trabalho melhor pago e esses nabos da Póvoa, o Ricardo e o Mário Emílio, não despegam a guedelha dali, afinam os motores, inventam escapes barulhentos e espelhos marados. Para irem armar-se defronte à praia à pesca das pequenas.

Ouvi hoje, uma peça nova encomendada ainda demorará a chegar. Ora bem! Pode ser que haja assim, finalmente, uma vaga para a preparação da minha máquina imbatível. Ainda darei autógrafos como o Joaquim Agostinho!

 

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