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Jam Sem Terra

(MAS COM AS RAÍZES DE SEMPRE)

Jam Sem Terra

(MAS COM AS RAÍZES DE SEMPRE)

Cegonha minha

João-Afonso Machado, 15.02.25

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Cada qual tem a terra que tem e nela, come, vive e dorme, rejubila. Eu sou do Minho antigo, onde o cimento e o exotismo das cores há muito congeminaram a sua destruição. Por isso continuo me transportando para longe, sempre de alma dividida entre o sangue e o alimento dos olhos. É dura, acreditem, a existência de um vadio, feita de dias desinquietos, um granito mole de saudades, inquebrável e sentencial, calcarino a chorar vislumbres de arrependimento.

Como aconteceu agora. Um amigo, outro inconformado minhoto, asseverou-me uma cegonha nidificando por cá. Santa alegria! Com as coordenadas no bolso, resolvi-me a uma volta e acertei no poste de alta tensão que desfeitava a verdura do prado da época. Mas lá estava a bichinha. Parei, fotografei-a, estaquei ante a aparição qual bondoso lobisómem. E prá'li me fiquei. Ela sempre sozinha, toda recatada, a virar o bico ao mirone de um tempo demorado. Sem par que lhe dê filhos, raízes tranquilas. Decerto irá de vez, alguma vez.

Enquanto não, e para futuro, ficou-me no coração - que, ao longe, ouvia gargalhadas beirãs e alentejanas. Paciência!... Ainda hei de arranjar um qualquer argumento que faça calar esses previlegiados da Natureza, se lhes der para se emproarem.

 

O extinto concelho de S. Pedro de Rates

João-Afonso Machado, 10.02.25

... Expirou em 1836, no cair de um Portugal sempre em queda. Agora é somente a maior freguesia da municipalidade da Póvoa de Varzim. No entanto, Minho, puro Minho! (Escrevo para a tontice administrativa do mapa desenhado a régua e esquadro...) É vila presentemente, Rates, situada num alto que, outrora, lhe consentia a defesa em lances inóspitos de ataques sem aviso prévio. E com o finado ramal ferroviário de Famalicão à Póvoa a roçá-la, prenho de memórias.

(Lembro bem essa linha, ainda dos tempos dos comboios a carvão. Viajava em 3ª classe (!!!), nos seus bancos de pau e no varandim da carruagem onde, no percurso mais íngreme, dava para apanhar uvas das ramadas e muita fuligem no cabelo, até ao banho caseiro, já em Vila do Conde... Agora são bicicletas onde foi o comboio e o desprezo por esta terra ignota, com historial esquecido na pressa de chegar à praia...)

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S. Pedro de Rates, todavia, não saiu do sítio onde já viveria antes da Nacionalidade. Proclamaram-no o primeiro Bispo de Braga, esse S. Pedro! Eu pertenço, porém, ao partido de S. Martinho de Dume, o conversor dos suevos, mas este é um capítulo da História, não de um roteiro de visita. Conquanto a igreja beneditina de Rates remonte ao período visigótico e a lenda se ilumine toda com a nota de que S. Pedro foi ordenado clérigo pelo Apóstolo S. Tiago.

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No mais - e mais recentemente - temos para estudar o foral de D. Manuel I concedido ao «Couto, Vila e Mosteiro» de Rates e uma comenda atribuída a Tomé de Sousa, o primeiro Governador-geral do Brasil. A tudo acrescendo uma notável colecção de túmulos que muito poderiam esclarecer acerca da gente ilustre que andou por ali.

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O templo é impar, constituído por três naves e, na cabeceira, outras tantas ábsides.

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Não obstante, Rates vive os seus dias tranquilamente, longe dos excessos turisticos. Mas conhecendo em rigor como se preservar, como defender o seu último reduto dos estragos da propriedade horizontal. Entre largos em lajedo, pequenos templos, edifícios da idade da pedra e becos estreitos, manda o silêncio, a estranha sensação do silêncio nas imediações já das mais popularizadas rotas estivais.

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A antiga sede concelhia e comarcã, o pelourinho no adro, serão talvez as peças mais marcantes.

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Mais recente, certamente setecentista, a capela do Senhor da Praça. Nada é longe de nada, a escola suscita a curiosidade de saber mais sobre o seu passado

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a que, porventura, não será estranha a usual benemerência dos brasileiros de torna-viagem.

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Rates também preserva as suas palmeiras e um comedido toque de excentricidade transatlântica... Nunca destoando. É um achado no Baixo Minho campesino, toda ela!

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Ao longe, uma esplanada assinala o único estabelecimento detectado adentro a cerca estabelecida.

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Apertadamente, à saída, a rua indica o norte, a direcção de Barcelos. Os "Caminhos de Santiago" por força passam aqui e a freguesia próxima pertence já àquele concelho. Como também quanto as nossas vistas alcançam,

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férteis terras de Entre-Cávado-e-Ave, robustas casas agrícolas. Enfim, quanto sobra da anarquia urbanistica a que trouxeram a nossa Província... Longa vida, pois, ao oásis de Rates!

 

Injustiças

João-Afonso Machado, 05.02.25

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Nesta época de furacões, nós, os paparazzi, andamos numa roda viva em torno das celebridades. É a Tia Hermínia? - a gente acorre. No dia seguinte o actor Ivo? - idem.

Já não há parança e o roulement é uma obrigação redactorial na nossa imprensa cor-de-rosa. Assim me calhou a vez do grandioso Ivo, essa estrela cadente, a passada semana, com guia de marcha para Vila do Conde.

Obedientemente fui, encoletado, barrete de lã na cabeça. Como se no deserto, mas ao invés. E trouxe comigo as minhas cadelas pisteiras, o melhor para tempestades fugidias, treinadas para farejarem o auge das desgraças (onde não se enfiam), a imagem única e a palavra conforme.

Pois chegámos a V.C. em alerta vermelho e, sem sofismas, na maior bravura de um oceâno chocho. O qual, por isso, não incandescia, apenas vomitava. A maré ia baixa e os ciclistas passeavam na marginal com desdém, o mar uma merda desprezada pelas gaivotas e rolas marinhas no areal. De famosas e famosos, ninguém,  tudo muito pindérico, uma tormenta popularucha.

Foi o que escrevi na minha reportagem:

«Ir a banhos não aconselho. Passear os cães, à vontade, será até uma saudável terapia. Apreciar o flanar das aves, outra maior. Gozar os penedos de uma vida inteira, batidos pela ondulação, - oh, distração imensa! Tardes destas descansam o espírito, estimulam, fazem esquecer as desgraças, Benvinda, benquista tempestade! Farás o favor de regressar já na semana que vem, sempre sem celebridades contigo.

E só por mera cautela fui espreitar a foz do Ave, onde os curiosos se aglomeravam. O rio ia cheio, transbordava na margem da Azurara, sempre numa planura obediente. Meia dúzia de caiaques faziam-se às águas. Por mero acaso - diria - uma onda no pontão em um segundo ocultou o farol. Deste modo se manifestava o furacão Ivo, comedidamente, como se na casa de pasto da rua dele».

Qual o meu espanto, no dia seguinte recebi do meu chefe de redacção uma ordem de despedimento. Terei de recorrer ao Tribunal de Trabalho para fazer valer os meus direitos. Mesmo porque quem se lembraria de chamar "Ivo" - sem um qualquer apelido sonante, sem pedigree, - a uma tempestade nem sequer calamitosa?