O velho renascido cuco
Veio de uma história antiga, germânico de nascença. Vivendo, quase esquecido, em relojoaria que o deixou num pra lá, muito indiferente ao seu canto e à lebre e ao faisão na sua madeira esculpidos. Pior: despropositando a cabeça de veado do seu cume, um timbre sobre armas de tiro cruzadas... Em suma, estava num nicho enjeitado, uma pechincha.
Até ao dia em que as crianças engraçaram nele e no seu cantorio, e o pai deu por bem paga a peça, mesmo sem saber que comprava coisa boa, quase logo esquecida pela catraiada.
O cuco veio, porém, para casa amaldiçoada - circunstância comum nos cucos - e voou depois para um apartamento sofrido. Sempre cucando sem que importasse a sua pontualidade, as horas são nada e apenas se lhe pedia - cucasse, cucasse... E ele foi cucando e fez ninho (o que não é costume dos cucos) em terras amenas, definitivas.
A viagem fora, porém, esgotante e o seu pio calou. Assim ficou, esquecido e empoeirado.
Anos volvidos, já recentemente, levaram-no ao médico e foi submetido a uma cirurgia. O cuco era recuperável... Readquiriu o seu canto, a medicina tem façanhas destas. Trazia uma vértebra partida mas foi pronta a sua colagem. Pior lhe aconteceria se se mantivesse nesta nefasta mudança de ninho... Contas feitas, a armação do seu veado e as caçadeiras sob a dita enviesadas; as peças de caça pendentes; e o mostruário e os demais enfeites - oh grande cuco, tudo era vivo!
Por isso, muito cantarás ainda, velho cuco, neste teu ninho. E só calarás quando a parede, guarida tua, se for desta para melhor. Aí, querido cuco, irás também. Mas sossega: outra casita te acolherá. Nem que seja para guardar as cinzas do teu amestrador.