Quinta de Vilar d'Allen, no Porto
Espreitada do Freixo, logo se torna apetecível, conquanto enganosa. A casa surge medianamente apalaçada mas a circundância é invulgar, a fazer esquecer a proximidade citadina, o Porto.
Com quem Gondomar guerreia administrativamente por esta terra santa... Ao portão esperam-nos os cicerones - seus proprietários - para uma visita guiada. E logo no início alguns fundamentais dados da história familiar.
John Francis Allen (1785-1848), ou melhor, João Allen, nasceu em Viana do Castelo, filho de um cônsul britânico. E na Invicta proveitosamente se estabeleceu, sempre no negócio dos vinhos licorosos durienses. Estamos já em 1804, o seu gosto por colecções diversas não sossegava e foi a causa de um museu aparatoso e de algumas questiúnculas advenientes com a Câmara. Residia à Rua da Restauração e dispunha de meios para comprar a sua quinta de férias. Escolheu esta a que depois chamou - "de Vilar d'Allen". É claro, nela levaria a cabo profundas mudanças: aumentou-a, virou a face da sua fachada principal, então pejada de placas de lousa a defendê-la das humidades, e abriu a casa a nascente ponderando os calores da exposição solar nos verões.
Enquanto tal, congeminava os futuros jardins...
Deparou com bonitas escadarias e manteve-as. Criou conforto internamente.
E, pleno do romantismo que vinha aí, foi planeando a sua envolvência em total dissonância com o paradigma da época.
João Allen alistou-se e combateu na Guerra Peninsular. O nosso Rei D. João VI viria a condecorá-lo com a primacial Torre Espada. Sobrevinda a paz, manteve a sua fixação nas colecções e no dilecto jardim de Vilar d'Allen
que o seu filho Alfredo se encarregaria de alargar, no mesmo passo em que adquiria terrenos e espalhava a quinta.
O resultado final é o que nos leva lá. Eu diria, em uma palavra: o musgo. Ou, se quiserem, a humidade, a abundância de águas.
Demos uma volta em Vilar d'Allen a verificar. É como se estivessemos no Minho que outrora ali morou também.
Entre as camélias são cerca de 180 variedades, japonesas e chinesas, classificadas e denominadas, de raça pura ou cruzadas, apelidadas algumas com os nomes das figuras maiores do Liberalismo da Guerra Civil (ou não ficassem memórias do velho Porto e do partido dos Allen...). A Senhora da Casa, de cesta na mão, vai colhendo flores, narrando as especificidades de cada uma.
Depois são as fontes, o lago e os tanques. E o musgo, sempre o musgo!
(É do que os minhotos gostam! Não porque esturricados se queiram banhar. Antes valem as cores, a música das bicas de água e a sua fertilidade, uma promessa de lavoura tranquila)
O mundo secará um dia; o Minho jamais...
No entretém, algumas pedras de cantaria atribuida ao desenho de Nazoni.
Para ali vieram, tiradas da bolsa cheia dos Allen, e bendito seja Deus que as preserva com eles.
Até mesmo o chafariz do convento de Monchique (da janela do qual Teresa se afogou em lágrimas à passagem da embarcação que levava Simão Botelho ao degredo, perdida de amores, conforme Camilo), até mesmo essa relíquia foi parar a Vilar d'Allen!
O mais é a propositada desorganização dos jardins românticos.. Os gigantescos fetos açorianos que ali sobreviveram;
o arvoredo plurirracial, os relvados, a mata. E duas árvores à compita: a sequoia, jovem de 150 anos, e a velha auracária, por enquanto vencendo em altitude, decerto sabendo, outros tempos virão.
A visita ia ficando assim. O Porto-cidade tinha desaparecido embrulhado em pedaços de história que subiam à tona. Como se andássemos fora do horizonte visual da ponte do Freixo, do Douro urbano das marinas e de outras malquerenças. O lugar, vestígio arqueológico do que não foi cidade, em suma, - recomenda-se.