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Jam Sem Terra

(MAS COM AS RAÍZES DE SEMPRE)

Jam Sem Terra

(MAS COM AS RAÍZES DE SEMPRE)

De volta

João-Afonso Machado, 01.10.24

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A saída dos passageiros teve os seus momentos de emoção e o Alfa, que se abeirava caladinho e num instante se enroscou na estação, orientou-me na rosa-dos-ventos, apontando o norte que será o meu dia todo.

Quatro rectas em ferro sem fim nem conciliação. Nos bancos da gare alguns preguiçosos preguiçando. Felizmente as nuvens e o vento moderam o sol. Somente do cantinho das bifanas, às vezes, alguns rumores, ou mesmo a nitidez de uma gargalhada.

Como se arranjaria Jorge de Sena para demonizar esta mansidão e enchê-la de personagens e de tiques?

Talvez se agarrasse a uma mexicanada que acabou de brotar de um telemóvel algures. Ou historiasse os trabalhadores calçando uma passadeira de pau lá no cu da linha. A estação não tem altifalante e o relógio de pé alto na sala de espera está certinho. O funcionário da bilheteira é atenciosíssimo e há um gajo com um chapéu acauboiado sentado no exterior: sou eu, a escrever.

O mais são horas sobre horas, não tarda a fome e a sede também. Jorge de Sena é provável contaria sobre as andorinhas, que todas já foram indo à frente. Óscar Wilde era simplesmente um exagerado, um piegas. Como alguns patrícios espalhados por aí, nos bancos da estação. Então ninguém sente o ambiente texano que se abateu sobre esta espera?

(Maldita motosserra, lá no cu da linha, que não me deixa, enfim, ouvir o Algarve!)

 

Com o coração nas mãos em cima do joelho

João-Afonso Machado, 10.09.24

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Meu velho e querido Amigo:

Este postal da Leirosa segue rápido e curto de palavras, muito grande de saudades. Mas como se o carteiro só tivesse de caminhar duas portas entre o remetente e o destinatário num trajecto de meio século. Foi tudo demasiado depressa, a tua partida à frente sem esperares por a gente. E a Leirosa parou, o mar chora ondas infindas sobre o barco do Leal que, aliás, não sai para a pesca porque os tractores avariaram e as redes dormem no areal.

Uma eternidade o mar, tal como tu, o que ficou da Leirosa agora calada e tristonha. Mas fui, o nosso encontro foi lá, comigo a escrever-te lembrando agora que sequer deixaste o teu código postal... Bah! Isto iria sempre um bocado atrasado já, de certa forma.

Dei um grande abraço ao teu irmão, com quem almocei, e tive o gosto de um beijo à Senhora tua Mãe que me reconheceu de pronto.

Assim mais próximos do que distanciados, não precisarás de outras notícias. Estamos em contacto. 

Por isso o enorme abraço que faltou naquele dia. Porque não pude, tolheram-me os meus afazeres e a fraqueza do meu espírito. Assim me perdoes tu, velho Amigo. Esse abraço que é sempre Passado, porque sempre presente, e com as maiores saudades do

João-Afonso

 

O meu mestre Antero do Quental

João-Afonso Machado, 06.09.24

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Imperdoavelmente, meses e anos fui deixando esquecer o Antero. (Ou eu próprio...) O seu pensamento, a minha fidelidade ao Mestre. Santo Antero!  - o pai do português humanismo contemporâneo! Não fora esse almoço em restaurante no largo que tem o seu nome, em Vila do Conde.

Visitei a sua casa - dita museu. Que do grande Antero do Quental nada guarda, porque o grande Antero do Quental nada guardou, posto nada ter. Teve, sim, nesta Vila do Conde palradora de hoje, dez anos de paz corridos entre dunas, areais, o mar e umas visitas a Oliveira Martins, no Porto.

Como um bramir de mar tempestuoso/Que até aos céus arroja os seus cachões,/Através duma luz de exaltações,/Rodeia-me o Universo monstruoso...»)

O homem, enérgico quão frágil, renova-me forças. O que é ter? O que é ser? De desilusão em desilusão, de Nova Iorque a Paris, Antero procurou, procurou, sem alcançar resposta.

Só no meu coração, que sondo e meço,/Não sei que voz, que eu mesmo desconheço,/Em segredo protesta e afirma o Bem!»)

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A casa do Antero não ostenta quaisquer móveis ou recordações. Aberta ao público é, verdadeiramente, uma galeria de arte. Tal qual Antero é, "somente", o seu pensamento e a sua poesia. E alguns seus seguidores, a gente que não se ficou pelas notícias dos jornais, crentes no Além... Estou aí.

Eu sou o teu filho! A um filho desgraçado/Que há-de um pai recusar? Oh, dá-me ânimo/Estende-me tua mão por sobre o abismo!»)

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Vila do Conde, nos seus interstícios, é a minha Vila do Conde. O abraço a Antero. Não é o tempo balnear, é a Alma. É o Pensamento, o nascente da vida, quiçá o seu poente também.