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Jam Sem Terra

(MAS COM AS RAÍZES DE SEMPRE)

Jam Sem Terra

(MAS COM AS RAÍZES DE SEMPRE)

Um minhoto na Capital

João-Afonso Machado, 10.12.23

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Não consigo - assustadoramente bacoco - contabilizar as décadas passadas desde a minha última visita à Mexicana. Eu seria estudante ainda... E a Mexicana o poleiro do Meine, um conhecido mariola do colégio interno, o ídolo dos mais novitos que depois frequentavam a Universidade em Lisboa e faziam romagem a visitá-lo. O Meine creio que cursou, ou leccionou, na Mexicana toda a vida (estará agora porventura jubilado), lanchando, almoçando e jantando por conta dos seus discípulos e fãs. Nos quais não me incluía. E que incluísse: o meu porta-moedas andava invarivelmente sem elas, servia apenas para guardar o BI e o passe da Carris...

Pois já se percebeu que voltei à Mexicana, por qualquer razão que me chamou à Praça de Londres e, de permeio, a um encontro (a Mexicana é uma referência inequívoca e um erudito ensaio telefónico sobre os paineis cerâmicos de Querubim Lapa...), um lanchinho, dizia, com a minha loira e tilintante amiga, sempre jovem, sempre formosa, sempre igual. Já lá iam uns meses... Daí o abraço, os beijinhos e o fatal comentário - Está mais gordo!

Assentámos numa mesa da esplanada. Mas - ó tristeza maior! - a conversa foi pouca, chocha, que as pulseiras da minha amiga sonaram logo a abrir o portátil que tirou de uma sacola, com o ar mais natural de quem vai retocar o baton. E foi isso: eu do lado cego do visor e ela embrulhada em palavras soltas, britânicas, sinistramente técnicas, - eram os bugs, um upload, depois o download, clean! e but save us!, a avisar-se para não esquecer. Tudo isto entre um ror de drivers, mouses (na Mexicana!...), firewalls, backups e restantes quindins informáticos.

Deixei correr os minutos até ao quarto de hora de exaustão final. Depois desatarraxei pausadamente a tampa da minha Montblanc e escrevi num cartãozinho em negro carregado - Outload!, com um ponto de exclamação que parecia um míssil.

E nessa velocidade volvi à terra dos vivos. Para o Rossio, ávido de ginjinha e de trivialidades ouvidas da boca dos balconistas.

 

Um minhoto na Capital

João-Afonso Machado, 26.04.23

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Não estava preparado para isto. Mesmo lembrando aquela vez em que quase morria afogado no Rossio mas fui salvo pelo braço firme da minha tilintante amiga, já a fúria das águas na entrada do Metro me arrastava para as profundezas; e, também, a amável boleia no seu bote até à terra enxuta de Entrecampos...

Desta feita estávamos na José Malhoa depois de mais uma inevitável ida às compras - de um bilhete de autocarro para o Norte. E não sei porque o súbito apetite de ir à Almirante Reis (talvez homenagear a Rainha D. Amélia, não recordo bem). Mas fomos, os dois, no vergastado automóvel da minha amiga (tão loirinha, tão penteada e o interior da sua máquina tão desarrumado!), de muitos e muitos quilómetros andados e uma tecnologia felizmente algo primitiva. Por Lisboa fora, essa Lisboa que eu já não conheço e fervilha de trotinetes.

Nem a minha amiga se sentia à vontade nestas avenidas. E, decerto desorientada, rapa do telemóvel, vai ao Google Maps, um olho no tráfego, o outro no aparelho, volta à esquerda, volta à direita, os dedos já não chegavam para os piscas e o buzinão em redor tornara-se infernal. A morte não andaria longe e eu, transido, revi mentalmente se informara a família das minhas últimas vontades mais indispensáveis.

Por isso não perguntem pela Praça de Espanha ou por outro lugar qualquer. Só recordo a travagem chiadora num sinal vermelho, o telemóvel a saltar-lhe da mão e eu muito lesto a apanhá-lo e a abrir a janela - Sr. Agente, como se vai para o Martim Moniz? - Pró Martim Moniz? Mas você está no Martim Moniz, amigo!

Não, não conhecia aquele Martim Moniz. O outro era sujo, fedorento, desarranjado, cheio de sorrisos africanos ou orientais e de estatuetas em madeira ou brinquedos com luzinhas e sem garantia. E mais não digo desse ambiente, que ainda me cai a Constituição da República em cima, aberta no artigo da xenofobia.

Mas no meu Martim Moniz falava-se português, por vezes excessivamente vernáculo. E no actual Martim Moniz abusa-se do inglês, - oh! delícia das pulseiras da minha amiga! - e francês, espanhol, alemão... Sendo os piores de todos, em semelhante invasão, os camones. Com a minha amiga sempre insistindo que se sente apalpada pelos seus olhares e eu sem vontade alguma de intervir...

 

Um minhoto na Capital

João-Afonso Machado, 10.02.23

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A minha última visita ao Jardim Zoológico ocorreu há uma dúzia de anos e acompanhava-me uma avis rara que ainda hoje perfaz o catálogo dos meus pesadelos. Nossa Senhora! Como é possível o vazio canoro ser tão insuportavelmente sonoro?! É claro, o trauma permaneceu até quando, o outro dia, me desloquei a Sete Rios em busca de um bilhete de autocarro para o Norte, que os comboios tomaram o gosto às greves.

Mesmo aí, em Sete Rios, fui dar com a loiraça minha amiga, badalando das pulseiras que sempre a localizam entre a multidão!!!

Olhou-me um tanto embatocada, necessitara ir a Monsanto e depois, distraída... - Vá lá, confesse, teve saudades do Jardim Zoológico... - atirei, algo paternalmente. E a minha amiga sempre foi reconhecendo não desprezaria um hambúrguer no seu McDonald's... - Olhe, já agora fazemos uma visitinha... Também nem me lembro da última vez...

Condescendi. Ele há gestos que só mesmo um cavalheiro minhoto... Desde logo os dois bilhetes pagos, uma quase incalculável fortuna. E depois arrastar comigo a gaiola toda das araras e catatuas em que a minha tilintante amiga se transformou.

Porque o Zoo de Lisboa é o melhor da Europa. Porque garante a preservação de espécies em vias de extinção. Porque era bendita (e original) a criação de um cemitério para os animaizinhos de estimação...

E eu sofrendo ante o sofrimento da bicharada em cativeiro, pensando quão felizes são os javalis, vidas inteiras em liberdade destruindo as colheitas dos lavradores, para depois morrerem de um tiro só. E somando jaulas e mais jaulas vazias, não abundarão os dinheiros, culpas do covid... O lince, recriado o seu ambiente natural, afirmar que ele está lá é um momento de fé. O rinoceronte fémea andava em cio, mas a palração da minha amiga, as pulseiras todo um alucinado Woodstock, inibiram o macho e impossibilitaram eu assistisse (e fotografasse) o maior salto actualmente disponível na natureza. Evitei o reptilário, não fosse as serpentes acordarem da sua hibernação, quebrarem furiosas os vidros das gaiolas e ainda me ver espremido por alguma piton. Enfim, quase me voluntariei para dar banho ao urso pardo e disfarçar aquela vergonha escanzelada.

Até que chegámos às girafas. Esticando o pescoço às folhitas que lhes dão, sossegadas e afáveis, com paciência a jeito de umas festas despreocupadas no focinho, como às nossas éguas lusitanas. Não fosse o gritinho da minha amiga, não sei por que zunido de insecto voador. A girafa assustou-se, retrocedeu e atirou ao ar uma parelha de coices com os quartos traseiros. Como se acossada por um leão...

Jardim Zoológico? Nunca mais! McDonald's? Só se o lince me convidar.