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Jam Sem Terra

(MAS COM AS RAÍZES DE SEMPRE)

Jam Sem Terra

(MAS COM AS RAÍZES DE SEMPRE)

A última página do "Arauto"

João-Afonso Machado, 20.07.23

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E estes dias de canícula descem ligeirinhos e atentos a rua quase deserta; vão atrás do director do nosso semanário, da sua descomposta gravata, do fato que o atormenta sob o pino do sol.

O sr. director é também o redactor, o compositor, o informador, enfim, uma reportagem completa, revista e sempre apreciada. O lápis, o bloco nas mãos, e o chapéu a atrapalhá-lo a cada prezado conterrâneo com que se cruza... É que, não tarda, o jornal vai para as máquinas com um desinteressante naco do último discurso do Presidente do Conselho mais uma severa reprimenda aos varredores municipais, um alerta à Câmara, não se admite tanto desleixo nos nossos jardins públicos.

É claro, a crónica sobre as exéquias da Olivinha será um sucesso. Tão nova, tão gentil menina, levou-a a tísica, e depois um fartar de gente, nos turnos, às borlas, a fechar a urna e a guardar a sua chave. O nosso semanário não perdeu pitada, um nome sequer dos que ao velório acorreram, a enciclopédia toda das flores nas suas coroas amimando «aquele rosto sempre belo, ainda agora sorrindo». Sem dúvida, o jornal chegará aos leitores húmido das lágrimas dos «inconsoláveis pais da Olivinha». Mas a semana foi fraca em acidentes. O sr. director expressou-o bem, ficou muito sensibilizado com a visita à redacção daquele ricalhaço regressado do Brásiu. E não lhe escaparam quantas - que não foram muitas - famílias partiram em vilegiatura para o litoral ou para as termas. Calhou até de alguém ir veranear para a Cruz Quebrada, lá para as bandas de Lisboa.

Já o carnet dos aniversários não rendeu mais de um quarto de coluna... E nem um operário, um trolha, um bêbedo que fosse, ao menos a cair e a fracturar um dedinho, para acordar o hospital da sua modorra, ser notícia!

O nosso jornal tudo se encarrega de saber e transmitir. Esta não é uma vila de segredos. Mas se nos próximos dois dias não morre mais alguém - se fosse para nascer ou casar já se sabia... - ou se no empedrado da rua não chiam os travões de um automóvel ou caminheta, nem badala a sineta do pronto-socorro dos bombeiros... Ai meu Deus!, aí vamos nós banquetearmo-nos com os paquetes oceano fora, ou com as delícias da confeitaria... em linóleo na última página do Arauto...

 

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