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Jam Sem Terra

(MAS COM AS RAÍZES DE SEMPRE)

Jam Sem Terra

(MAS COM AS RAÍZES DE SEMPRE)

Belmonte

João-Afonso Machado, 26.05.23

A Estrela não fica longe - a serra;

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que a de David é lá, Belmonte será sem dúvida a capital do judaísmo português. Essa era uma curiosidade minha, muito maior do que a de conhecer a casa-fortaleza dos Cabrais do histórico Pedro Álvares que dali partiu para o litoral lisboeta, e depois para a aventura do Brasil - tão ao engano - sendo que, decerto, a ignorância do caminho marítimo não superou a do terrestre...

Estimei o castelo.

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Abri o bico perante a sua janela manuelina. Nela li o marco apalaçado e triunfante do feito glorioso de Pedro Álvares Cabral, descoberta que perpetuou a sua estirpe nos nossos anais.

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Para não variar, Belmonte ia invadida de gente. Motivo acrescido para fugir em busca dos lugares que a multidão menos preza. E de beco em beco, mesmo abaixo do castelo, lá cheguei.

O primeiro sinal deu-mo uma estrela israelita mais uns dizeres hebraicos em moradia pétrea.

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Adiante, em construção recente, a placa - Radio Judaica Portuguesa. Aí, sim, estaquei e bati à porta.

Atendeu uma senhora mais curiosa do que eu e muito pronta em inquéritos. - Sou um cristão-velho - disse-lhe, a pô-la de sobreaviso, a atemorizá-la. E depois, amenamente esclareci, expliquei o meu interesse pela cultura judaica, pelos rituais em segredo mantidos no andar dos séculos; revelei o meu saber da existência em Belmonte de um rabino oriundo de Israel, da sua organizada comunidade, de alguns apelidos das antigas famílias dessa origem; da tradição sempre mantida, enfim. A senhora reanimou, apresentou-se - Ana era o seu nome - e abriu as portas. Narrou episódios para mim desconhecidos

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e os meandros informáticos - em que também sou leigo - através dos quais transmite para todo o mundo o seu programa. Só achei bem, só estimulei. A sala tinha as paredes repletas de estantes com CD's e DVD's e havia uma prateleira de souvenirs onde pontificava o galo de Barcelos num tira-tampas verde-rubro-republicano. Perfeitamente à moda indiano-paquistanesa que nos assola... É claro, não obstante as suas multiplas insistências, recusei a compra. Antes me convidasse a Ana para uma peça genuína e condizente com o velho Javé... Era askenazim, tal significando serem as gentes semitas dali de uma condição mais humilde (socialmente, pelo menos) do que os poderosos sefarditas.

Conversámos muito acerca dos mistérios de Judah no curso dos séculos em Belmonte. À despedida, desejei-lhe a melhor fortuna. Não apertou a mão que lhe estendi, desculpando-se muito e invocando cautelas de saúde. Ainda usava a máscara dos idos tempos do covid... E, saindo, no fim da rua dei de caras com a sinagoga.

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Não enorme mas obviamente de culto permanente. Alegrei-me - Deus Pai é multifacetado e as gentes pacíficas. Isso mesmo confirmei no cemitério

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entre campas, nomes e gentes co-entendidas na Eternidade. Assim o proclamavam as tantas sepulturas com a cruz ou estreladas... Ao que percebi, pela história da Ana, a crença judaica em Belmonte vai saindo da casca e os rabinos são já dois, o mais novo ainda em fase de aprender a nossa língua. Oxalá a sua apologética seja bem sucedida, e a cristã não lhe fique atrás. Crer faz bem ao ser...

Por tudo, uma terra única, Belmonte. Depois do esconderijo de séculos, uma assunção de vida à luz do dia. Ombreando com a outrora sua inimiga religião. Que em consciência e em liberdade - cada qual escolha por si.

 

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