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Jam Sem Terra

(MAS COM AS RAÍZES DE SEMPRE)

Jam Sem Terra

(MAS COM AS RAÍZES DE SEMPRE)

Castanhas e água-pé

João-Afonso Machado, 10.11.23

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Agora que o Alto Douro dormita todo despido ao frio - façanha, reconheça-se, não para qualquer um - as ideias seguem outros trilhos, outras bizarrias; não sei porque sim, mas arredias de Trás-os-Montes onde os soutos são como os milheirais aqui para o Litoral, amontoam-se também. Eram os ecos de Sernancelhe que pareciam chamar, para mais nesse dia da Festa da Castanha em vila tão simples, tão maciça de paredes vetustas. Uma não longa viagem, e de Lamego para a frente a Beira Alta começa a ganhar formas voluptuosas e os lobos invadem-nos a imaginação às alcateias deles.

(Há de ser por causa do turismo, com uma pontinha de inveja decerto, Sernancelhe pega-se aos durienses como ignorando a serra da Lapa, a Gralheira e todas essas setas apontando mais a sul o lugar das grandes cordilheiras...)

Pois, a Beira Alta é outro sentir. Talvez pela intraduzivel rudez da castanha com direito à sua festa anual muito molhada em água-pé. Talvez pelos arremedos de cães de guarda à solta nas vielas, pelo nosso olfacto adivinhando a Estrela ao longe. Tudo somado ao granito e às suas esculturas e excrescências, os altares de dúzias de moiras encantadas...

Fazia calor dentro do pavilhão das castanhas em Sernancelhe... Recomendava-se a compra, por valor simbólico, de um canequito já treinado em descobrir os pipos em que as torneiras abriam, enchiam e fechavam de borla enquanto a sede não fosse embora. (- Ó homem isto é o vinho dos pobres, sempre foi, água colorida no engaço, chegue-lhe com força! -). A castanha assada passeava em cestos nos braços de uns tantos voluntários e oferecia-se, muito anfitreã. Havia depois uns workshops, destino apenas da intelectualidade, e os stands dos produtos locais e das mais larocas carinhas indígenas; quando arribou a famigerada televisão, para uma tarde inteira, no relógio soaram as horas da decência e da despedida.

Mas até lá a sobriedade serrana beirã. Uma escassez de meios que faz das tripas coração e, de aldeias esvaziadas, chama por todos, não irá morrer sozinha. Porque o seu ar frio já esvoaça, aponta-lhe e dispara a castanha quentinha, a brincadeira da água-pé, Sernancelhe desce lá abaixo, ao barraco da festa, e volta a subir; patina no brilho da humidade do granito omnipresente, recolhe lenha que o inverno está à porta. Os dias vão curtos mas são demorados estes sonhos de uma terra de vagar na leitura e na escrita, mesmo até na escolha do papel e do aparo da caneta. 

 

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