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Jam Sem Terra

(MAS COM AS RAÍZES DE SEMPRE)

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(MAS COM AS RAÍZES DE SEMPRE)

Catacumbas de S. Calisto

João-Afonso Machado, 01.11.23

Roma, algures perto dos ecos da Via Apia. Terras planas e enganosas, de edificação impossível sobre os seus mistérios escondidos - no subsolo esburacado da História dos primeiros cristãos, da sua clandestinidade. Foi a visita desse dia em que se narraram dezenas e dezenas de quilómetros abaixo da superfície, preenchidos por túmulos e lugares de culto e de uma luz, que despontava aqui e acolá, por janelos virados ao sol, e não sei exactamente de onde mais - de uma força enorme que nos impelia àquele testemunho da Antiguidade.

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Era proibido fotografar. Transgredi. Deus me perdoará as imagens que trouxe na alma. Porque nelas evoco Calisto I (Papa de 217 a 222) e reafirmo que não será inútil crer em tantos séculos de Fé. Talvez como S. Tomé, seguramente sem a determinação daquele Sumo Pontífice filho de escravos nascido no Transtevero. A quem foi prescrito organizar e dar sepultura condigna aos membros da comunidade romana cristã ainda disfarçada, ainda martirizada.

Assim a cripta foi sendo cavada, distendida, ramificada. Até ao silêncio que a aplacou depois de gerações chorando e confiando, saudosas e esperançosas, na despedida dos seus que partiam para Deus. É importante esclarecer, ali foram depositados os restos mortais de alguns dos primeiros Papas e de um número volumoso de mártires (pois, -  desses que morriam nas arenas do circo por não renegarem o baptismo), circunstância que trazia para perto da sua santidade os demais irmãos. As centúrias não param, a necrópole cresceu, tornou-se labirinto, um imenso cemitério todo ele sob os dias visiveis.

Não faltou a pergunta inicial acerca da claustrofobia... Na boca íngreme de umas escadas manhosas que nos punham uma dezenas de metros no fundo.

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Não, sem problema, a vontade era muita. Sem tetricismos, apenas no chamamento das almas que, tão remotamente, ali deixaram repousando os seus corpos. No encaracolar dos corredores, o grupo seguia calado e respeitoso: de uma e outra banda, gavetões, sepulcros antigos, cujas ossadas foram preservadas e subtraídas à profanação dos mais curiosos... As catacumbas, aliás, ficaram em desuso desde que as relíquias dos santos nelas depositados depois as conduziram a lugares exultantes do culto. Só já com a arqueologia oitocentista o local foi descoberto, e logo iniciadas as escavações.

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Mas não era a arqueologia o interessante nesta nossa descida à necrópole de S. Calisto. Mais pesava a força do Ideal e da Fé, o que o braço humano é capaz para sustentar e transmitir a Palavra, um mundo novo falando de forma diferente. Porquê o cuidado com os restos mortais, quase um paradoxo para quem põe o acento tónico na vivência e na sua simplicidade?

Talvez pela ideia biblica da ressurreição dos corpos no final dos tempos. Talvez por defesa dos familares seus. Talvez por amor e caridade. Talvez por medo. Seja o que tenha sido, sozinhos ou em família, nas lapas mais alargadas, os cristãos ali se quiseram ficar.

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Decerto sem oferendas aos deuses... que já tinham morrido no vendaval de Cristo. Mas no carinho dos seus, numa proximidade que acreditavam um dia seria mais próxima ainda.

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Numa linguagem codificada, assinalando a sua passagem com alguns símbolos, dos quais se destaca o peixe, - em grego, "ichthus", um acrónimo de "Jesus, Christos, Theou nois Soter" (Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador).

A apologética faz-me comichão. Eu acredito no que acredito e ninguém tento catequizar. Que fique bem claro. Por isso, este apenas o manifesto de uma emoção forte, da visão dos meus primórdios espirituais, o reforço da vontade na Fé. Tudo, de resto, muito exacerbado na beleza da Eucarístia em que participei, ali, tão debaixo do chão e da luz do meio-dia. E da qual, para pretensos retratos, a máquina chamar-se-á coração e a revelação leva um "R" grande,  sendo sem olhos as imagens.

 

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