Cegonha minha
Cada qual tem a terra que tem e nela, come, vive e dorme, rejubila. Eu sou do Minho antigo, onde o cimento e o exotismo das cores há muito congeminaram a sua destruição. Por isso continuo me transportando para longe, sempre de alma dividida entre o sangue e o alimento dos olhos. É dura, acreditem, a existência de um vadio, feita de dias desinquietos, um granito mole de saudades, inquebrável e sentencial, calcarino a chorar vislumbres de arrependimento.
Como aconteceu agora. Um amigo, outro inconformado minhoto, asseverou-me uma cegonha nidificando por cá. Santa alegria! Com as coordenadas no bolso, resolvi-me a uma volta e acertei no poste de alta tensão que desfeitava a verdura do prado da época. Mas lá estava a bichinha. Parei, fotografei-a, estaquei ante a aparição qual bondoso lobisómem. E prá'li me fiquei. Ela sempre sozinha, toda recatada, a virar o bico ao mirone de um tempo demorado. Sem par que lhe dê filhos, raízes tranquilas. Decerto irá de vez, alguma vez.
Enquanto não, e para futuro, ficou-me no coração - que, ao longe, ouvia gargalhadas beirãs e alentejanas. Paciência!... Ainda hei de arranjar um qualquer argumento que faça calar esses previlegiados da Natureza, se lhes der para se emproarem.