Coisas do fim do ano
Chamo-lhe a minha primeira pintura. Dei-lhe cor, tirei-lhe ramagens, borrei. E dei ao tempo o vagar do momento perpetuado. Com todos os reflexos da vida mais a sensação (minha) de que não há morrer.
Amarante, maré outonal. Perto e longe de batalhas ganhas mais do que perdidas. Escrevo, todavia, alheado da história e somente buscando sensações. E o Tâmega dá-mas, assim quieto, cheio de peixe, um instante alheado do turismo. Como o encaro, calado, oxalá o saiba desenhar, deixando viajar os sonhos das casadoiras de S. Gonçalo.
Mas a realidade são os reflexos. E modestamente trabalhei as suas cores, fi-las minhas de direito próprio, as suas tonalidades, enfim, pintei. Ajustei. Pintei, sim, nada sabendo da arte e assaz pouco de fotografia.
Em tal inocência recolhi vegetação e pedra. Quis trazer o rio comigo, abraçá-lo nos seus dias menos cavalgantes e dizer-lhe que ali ainda é a minha provincia. Baixinho, baixinho, que vozes se levantarão no alvoroço de outra provÍncia. Mas ainda renasço o Minho meu... Devorei o peixe imortal das suas eternas margens e não esqueci açudes nem a ponte do antigo Conde e das suas tropas. A justiça é inesquecível e barriga-nos o ethos.
Reponho o olho na imagem que não quero esquecer. Portuguesa, filha dilecta do Criador. O curso fluvial, a margem urbana, a ilha, a ponte e o burgo. E, já agora, Pascoaes - «as árvores são a carnuda paisagem, os regatos o sangue, as nuvens os seus aéros pensamentos...»
(Pascoaes, esse velho malandro, literato maduro que nunca quis ser o que é o seu ser...)
Mas, sendo eu - eu! - eu próprio, o vadio do Reino, lá consegui a pontaria certeira neste pombo a quem alisei as vestes agora. Amarante! (O Minho esfria, os dedos entorpecem...) Foi tiro de passagem, não arrisco afirmar que acertei. São isso os nossos dias...
E assim permaneçam no 2025 à porta, que a todos desejo com muita Paz.