Florbela Queiroz
O tempo é intrometido e pica. Curveteia em sussurros de cobra e deixa também o seu veneno, ruga após ruga. Mas nem sempre se dá por isso e são, por vezes, as esquinas e qualquer inadvertido choque a abrirem os olhos ao que poderá ir já em ruina adiantada.
Florbela Queiroz, ainda uma menina, uma gracinha despachada, sex-simbol dos idos do "a preto e branco" tinha então por palco o Portugal inteiro, com a sua suite presidencial na televisão. Pertencia-lhe a Década de 60 do outro século e a seguinte terá principiado bem e porventura findado pior. Muito sucederia e uma ocasião houve em que as campaínhas deram o alerta: a Florbela passava mal, carecia de trabalho e sustento.
Houve solidariedade. Uns programas em tardes televisivas de muita laracha, variedades, qualquer novelazita. Certo é, Florbela enfiou o tempo no saco da viola e podou-lhe as ramagens espinhosas. Abriu uma página no FB que conta com dezenas de milhar de seguidores sem esconder as marcas dos anos que ficaram para trás.
Tem uma personagem, a Gervásia, surgindo em sucessivos vídeos a debitar os seus bitaites. Já não usa, como se compreenderá, os penteados dos sixteen, mas ri, comenta, brinca, informa, transporta os seguidores para essa saudade do seu corpinho delgadinho e arisco. Apaixonadamente, comoventemente. A partir da sua residência própria que libertou das cobras, dos venenos, da podridão e das demais agoirentas invasões. É a derradeira resistente de há sessenta anos, a cicerone de visitas a tempos tão diferentes que Florbela Queiroz então agitava, sendo já o que continua a ser - uma actriz. Na sua vida real roçando as silvas que a idade acumula, recuperando e pintando janelas que dão para jardins musicais plantados de sonhos. Tratando da sua piscina... Não sei porque escrevi tudo isto - pensando bem - mas só pode ter sido pela sua graça, era eu tão miúdo!, pela eternidade que é a nossa memória.