Fotografia analógica
Não estou em Vigo nem em Pontevedra ou Baiona. Mas vou furando a rua entre galegos, com uma pitada do indecifrável alemão. Mais qualquer coisinha de francês e o resto é a eternidade das obras na Baixa portuense. Acabei de chegar de comboio a S. Bento. Não, de modo algum estou bem disposto. Sofre-se porque só aqui, em Sá da Bandeira, se consegue revelar a verdadeira fotografia - a analógica.
(Passo o teatro numa visão já de anos, a minha Senhora tão entusiasmada com a peça... - Pois sim, vamos, jantamos primeiro, calmamente, por ali... - Eu que detesto esses palcos, para mais um monólogo do Monchique... Mas ela já tão doente, coitadinha, e essa noite tão alegre!...)
É toda a perversidade do mundo digital. Os rolos de fotografias, antigamente grátis, hoje uma fortuna. Perdida está a necessidade de poupar; assim como a sageza de aguardar o resultado da revelação, a precisão do disparo quase "no escuro". E depois a viagem, a peregrinação, a loja muito acima do Bolhão e a espera, até ao regresso no comboio das 13.15.
(Nem me detenho na montra da espingardaria, nem quero saber do seu expositor de armas no interior. Para quê? Hei de fazer, isso sim, - e rapidamente - testamento a favor dos meus amigos e companheiros, que o conteúdo do armário dá para distribuir por todos eles, queridos parceiros; e as velhinhas do Bisavô - uma delas, que jeito faz ainda no treino dos cachorros! - ficam para o meu primo, seu bisneto também.)
A lógica do Progresso vence as minhas capacidades. E já não me desgasto em meditações sobre a extinta espécie das fotografias a preto e branco! O mundo perdeu a cabeça, amoleceu em calda de facilidades, ajaponesou-se em tecnologias traiçoeiras e cheias de botõezinhos.
(Prossigo subindo esta rua multilingue, um furacão de saldos, gente que se afoga no ar suplicando pechinchas.)
Ter, ter! Mas eu quero é não ter! Já tenho demais. E fere-me pensar na sorte da minha colecção de miniaturas de automóveis, anos e anos de paixão. O risco de a esfrangalharem e eu em cinzas sem a poder defender... E o resto, a minha biblioteca?, essa cordilheira onde me perco e com a maior dificuldade me reencontro, ai de mim cada vez que preciso estudar algum assunto, trunfar com qualquer lapidar citação.
(Chove. Enquanto espero me entreguem o CD com as fotografias descobri uma chafaricazinha, dizendo-se na montra o "Rei da bola de carne". Era comigo, sim senhor. Entro, mando vir uma fatia, um copo de tinto. Tudo sofrível, afinal. Bolas, o tempo está uma lesma!)
Urge regressar à essência. Ao mínimo indispensável. A umas tantas canetas, um bolso delas, sempre menor do que a bolsa do computador. E sem vírus, actualizações, aplicações e... botõezinhos. Pelo sacrossanto papel e os manuscritos que o tempo valoriza e a descendência descobre um dia, amarelecidos mas legíveis, empandeirados para o alfarrabista.
(Agora foi uma italiana que entrou. Queria um croissant...)
Felizmente estão quase aí os faisões de Fevereiro. E depois, - Bretanha com ele! Enfim diz-me o relógio - presente da minha Avó ao meu Pai quando foi para a Universidade - é a altura de ir pelo CD. E o relógio, octogenário, a dar-lhe corda todos os dias, bate certinho, não se engana.