Lamas de Olo, na Serra do Alvão
É tão perto de Vila Real e tão distante do mundo! É planalto, depois de muito subir e curvar. É, lá no cimo, um santuário do benquisto tempo que não anda.
A água abunda e a terra verdeja. O gado maronês pasta generosamente para nós, dedicando-se à posta que um dia comeremos dele. A famosa posta!
Neste domingo, a aldeia tinha emudecido no seu granito já profanado por algumas construções de gosto duvidoso mas explicável - coisas de preços no alcançar do custo jeitoso ao conforto que todos merecem... Não há vivalma nas ruelas atravessadas; somente alguns carros parados, um tractor em circulação. E alentados cães, desses que ladram e com a cauda sorriem "boas-vindas". Na pequena igreja (o cemitério, ao lado, um jardim...) decorria a missa e eu e o meu filho não entrámos, nada de desassossegar os paroquianos, a sua devoção. Mais abaixo, o autocarro estacionado e vazio, que nos dias do Senhor não há comunicação com o mundo exterior.
Há, proliferam, os espigueiros. O milho tanto servirá a broa da comunidade quanto o comer do gado. E ouve-se a água aos saltos nas pedras
e a sua contenção em lavadouros e bebedouros. Sobram muitas ruínas num conjunto em que elas não desdizem. E nem uma placa nas paredes, a porta aberta de uma mercearia, uma tasca, uma janela de onde esvoace um cortinado.
Somente os cães, uma vaga semelhante aos castro laboreiro, a cancela do quinteiro escancarada e a voz sonora... (Chamei-os; não havia mais com quem dialogar em Lamas de Olo; eles corresponderam...)
Calcorreámos as ruas estreitíssimas, encarámos o fantasma de dois andares e formas modernas no seu meandro, ainda uma grua à ilharga a agigantar o pavor; mas repelimo-no, tal susto, com a Cruz alevantada e breve tornámos à pedra, essa sim, intemporal.
A água falava, falava, a cada esquina dos pomposamente chamados "Largos". Ouvimos a sua conversa, toda ela se dirigia ao rio Olo.
(Talvez não saibam, o Olo é o desvairado que a jusante se precipita nas Fisgas do Ermelo.)
Fomos visitá-lo, ao Olo. - Olá, velho Olo! Lembras-te de há uns anos? - (O meu filho teria então um anito ou dois...)
- Lembras essa vaga de frio, as minhas botas até à cintura, a ganância das trutas? Lembras, forreta? A neve cobria as leiras, eu enfiado no teu curso, um passo à frente e a água a entrar pelo cano das botas, o gelo a tolher-me os ossos, o vício a dar calor e essas coiras enfiadas nas buracas? Lembras, Olo, a manhã sem rendimento, tantos e tantos lançamentos, o corpo já desobediente e tu calado e avaro, sem uma resposta aos meus humildes pedidos, uma truta só, que nunca ma deste?
Recebi por resposta um silêncio implacável. E não sei dizer o quê, do meu filho. Mas sem malquerenças. Apenas com saudade. Hoje já não calçaria essas botas, ficar-me-ia somente pelas margens - sempre na remexida excitação de uma truta anzolada. Daquelas velhas, enormes, muito pintalgadas...