Na abordagem do Sagres
A grande notícia foi a segunda vinda ao Porto do navio-escola Sagres. Já o assaltara no Tejo, por ocasião de uma qualquer monumental regata, e trouxe-o comigo no cartão da minha Canon. O resto não estranho, a capital nortenha desde 1852 vive o trauma da entrada das embarcações de bom porte na barra do Douro. É lerem sobre a tragédia do vapor Porto e logo entenderão porquê...
Mas desta vez os ventos correram de feição e as derradeiras velas do nosso orgulho - da nossa condição marítima - só o tabuleiro inferior da ponte D. Luís as travou. O Sagres atracou na Ribeira e a multidão formigou-o. Não sobrevieram, felizmente, notícias de que lhe tenha devorado o casco ou os mastros, sinal esperançoso da nossa relativa eternidade nacional.
No andar de cima da ponte, o lugar natural de espreitar a vida (ou procurar a morte...) circulam agora o metro, as trotinetes e uma babel ultra-barulhenta e exposta ao silêncio traiçoeiro daqueles veículos. E o grande alarme ocorreu com um canito absolutamente perdido entre a floresta de pernas humanas; houve chamamentos, gritos, assobios, besouradas, e o bichinho atravessou a ponte, quase de Gaia aos Guindais, fugindo espavorido à frente daquela monstruosa lagarta amarela que o instinto lhe dizia ser trucidadora.
Voltei à contemplação do Sagres. Escoltavam-no dois navios da Marinha de Guerra e enfeitava-lhe a mezena um pano muito feio, vermelho e verde - as tais cores que nos oprimem (pensei) levadas à popa...; esqueçamos os bombordos e os estibordos, siga o mundo de quilha bem afiada em riste...
Procurei ângulos e outros ângulos mais onde coubessem as poses do Sagres e quantos satélites gravitavam à sua roda. E depois devolvi-o à confusão de que o cachorrito talvez tivesse conseguido escapar também.