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Jam Sem Terra

(MAS COM AS RAÍZES DE SEMPRE)

Jam Sem Terra

(MAS COM AS RAÍZES DE SEMPRE)

Na Linha do Vouga

João-Afonso Machado, 01.07.25

Foi entrar na Terceira Idade (TI) pelo lado mais antiquado da rede ferroviária. Humilde mas dignamente, à janela que ainda é de abrir para fotografar. E agradecendo muito o louvor pátrio do oferecido meio bilhete apenas.

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Espinho, 14 horas, uma estaçãozinha ao longe, fechada, hirta, cadáver entaipado. Começa aí a Linha do Vouga, numa plataforma despida e exposta à chuva e aos ventos. A automotora curva vagarosa e pára, os passageiros totalizarão uma dúzia. Conversa-se muito, talvez demasiado, porque o mundo já segue em andamento a passar-lhe ao lado. Assim foi até Oliveira de Azeméis, caminhos urbanos, é certo, e rápidas espreitadelas para o exterior na desaceleração ao aproximar de qualquer outra estação - sempre mumificada e rodeada de escaravelhos humanos que trepavam as escadinhas das carruagens. Não era grave: a TI, por definição, já tudo não abarca e tem o dom do regresso na sua eternidade, qualquer pormenor esquecido e ela recupera-o... Mais o taxi disponibilizado pelos serviços para ser conduzida a Sernada do Vouga, assim ultrapassando o troço de linha ainda em obras.

Agora é uma vida activa, das tais que foram mesmo laboriosas, armazenada entre as ratazanas de edifícios imensos e paralisados, sem uma muleta, um destino, que os ressuscite.

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Na defunta estação uma tasquinha simpática, com cerveja de pressão e uma patroa muito suada a sonhar em voz alta a sua semana de descanso «nas montanhas». Mais descanso do que em pasmaceira deste calibre?

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A TI é do tempo dos cubículos onde portuguesmente, despretensiosamente, se inscrevia no topo das paredes - "Retretes" - e deles faz uso antes de retomar o caminho. Mas o silêncio ribomba sobre Sernada, a automotora parece não ter pressa em chegar...

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Reatando a viagem, a travessia do Vouga. A TI é agora uma fervorosa defensora da pachorrenta pesca à linha e idealiza velozes proezas piscatórias durante a travessia. Um nada adiante, Macinhata, onde o museu dos comboios antigos já encerrara, sem esperar por ela. Águeda, o destino final desse dia, não demoraria, tudo fora em grande velocidade, afinal, mas a TI serenamente encara - olhando para trás e para o futuro - a brevidade do percurso, muito menos o que está por cumprir do que o já cumprido.

Por isso neste se refugia, apeando-se em Águeda.

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Como ainda na sua infância, recordando viagens infinitas para sul a furarem Águeda de cima a baixo em modo lento. Enumera as referências da antiga EN1,

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a rua/estrada descendo aos solavancos no trânsito até à Praça, as suas esplanadas, fugazes lanches, a ponte sobre o rio nessa peregrinação que ainda nem chegara a metade. Artérias onde se remavam botes em altura de cheias invernosas. Pequenos pormenores rapinados a idades antigas, incorporados em si, a TI conforta-se e defende-se.

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Lê os sinais históricos e conversa até. Cansada, desorienta-se um pouco em demanda de um hotel para dormir.

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Não perdeu o apetite, a TI, e, tudo tratado, come o seu caril de galinha num restaurante indiano. Após o que foi repousar até ao dia seguinte e à via férrea para Aveiro. Esvaíra-se a emoção, distraira-se das vistas à janela. Talvez tornasse à infância nortenha. Tinham sido ontem as solenes comemorações do seu grande dia... No entanto, o seu cartão de cidadão orgulhosamente ostentava - meio bilhete vitalício nos transportes!

 

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