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Jam Sem Terra

(MAS COM AS RAÍZES DE SEMPRE)

Jam Sem Terra

(MAS COM AS RAÍZES DE SEMPRE)

No regresso à Pocariça

João-Afonso Machado, 28.12.23

CASA PESSOA JORGE.jpg

Há mudanças fulcrais naquele estar sempre igual e bem alimentado. Visitar a Pocariça é mergulhar no coração da Bairrada, em Cantanhede, depois dos vinhedos e dos olivais (a primeira novidade é o cor-de-rosa destinado aos ciclistas na estrada), o largo principal, de onde partiam as antigas batidas às raposas, a casa do compositor António Fragoso, adiante a capela de S. Tomé, cuja frontaria em granito veio inteirinha do Porto, restos de uma outra demolida para alargar a Avenida dos Aliados.

Mas a Pocariça não se resume a um passeio guiado apontando tantas e tão diferentes construções. Fique a nota de que o equilíbrio arquitectónico predomina. A sua beleza, porém, reside mais no para lá das paredes, nos anfitreões, nos dias inteiros de conversata à mesa e... nos mistérios que na Pocariça vão sucedendo. Tais como leitões voadores que a gente abate com dardos e facas, ou caracois, o célebre «caracol da Pocariça»

CARACOL DA POCARIÇA.jpg

Requintadamente autotransportados. Ainda assim atrevidos. Nesse dia de casamento chuvoso soou o alarme: os caracois tinham fugido! E os pocaricenses, envergando oleados e de lanterna na mão, debandaram em sua busca, fulgurantes, velozes, mesmo capazes de competirem com a correria dos caracois. Era já de madrugada. Levantei as abas do fraque e fui saltitando, evitando enfiar os sapatos nas poças de água. Escondi-me sob uma árvore frondosa, junto a um carreiro, alguns dos cativos em fuga não deixariam de passar nele.

Assim foi. Ofegantes, a casa às costas, os cornichos de fora, a deixarem um rasto de ranho pelo caminho. Como apanhá-los, onde guardá-los? 

Eram fundos os bolsos do fraque. O lenço na lapela mesmo a jeito para uma rede de pesca. E a noite foi isso, tornei ao casamento com a música já aos berros e os meus suspensórios a darem de si, tal o peso das carapaças com o molusco encolhido dentro.

Pois acabaram esses caracois GT. Ficou, no entanto, a feijoada de lebre (que já não foge, não...), o vol-au-vent de perdizes (coitadas, depenadas, enregeladas, esconderam-se foi nas nossas entranhas) e o Poço do Lobo tinto, uma libação requintada e oriunda das vinhas de uma quinta onde tantos anos caçámos, com esses velhos amigos todos de copo erguido. Saudades aplacadas. Também com bolo-rei, é claro, o nosso monárquico bolo. Eu rondo a Pocariça em perguntas ansiosas e constantes - mas os meus amigos não sabem de alguma casinha pequena, jeitosinha, que eu compre ou arrende para aqui me instalar e criar minhocas e o seu húmus?

 

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