O Alfândega
O avantajado edifício amarelo, com todos os sintomas de história antiga e restaurada, galardoado em museu, vem dos idos de D. João II, quando sobrava movimento e abastança nos estaleiros e no porto marítimo de Vila do Conde. A - assim denominada - Alfândega Régia peneirava todos esses negócios e só o século XX, pusilânime e triste, lhe fechou as portas e deixou a rapaziada dar as suas fisgadas nos vidros das janelas. Passava-se e nem se reparava. Foi preciso chegar o tsunami turístico...
O restaurante, o Alfândega - porque não o Alfândega Régia?... - é mesmo ali na extremidade e a sua esplanada trepa a rampa da velha casa controladora.
O proprietário já nos conhece de vista. As funcionárias também. Vai havendo sempre mesa para nos sentarmos à primeira tentativa. E hoje a escolha recaiu no bacalhau assado na brasa. - Com batatas cozidas, se faz o favor!
Chegam umas entradinhas para dar início às operações: a broa de milho, umas tostas, o usual paté, umas azeitonas de confiança. Enquanto o peixe ainda navega na cozinha, vem também o primeiro jarro de verde branco. Porque hoje é a brincar, estão comigo duas cegarregas, os apuros do paladar ficaram em casa e o vinho, em barril e tirado à pressão como a cerveja, simplesmente é frescura e pouca graduação, os jarros fazem fila para a mesa.
Ao invés, o bacalhau é trabalho esmerado, um sedimentar de lascas nem muito nem pouco salgadas, carnudas, sem espinhas que as manchem. A menina do atendimento vai participando na conversa, sempre atenciosa e pronta para mais um dose de vinho que o bacalhau teimava em nadar.
Somente à sobremesa a pequena partida. Digamos que uma praxe... em que sempre caímos e, por isso, nostra culpa. São o cheesecake, a mousse de limão e o mais, tudo vindo até nós em embalagens de plástico! Uma sensaboria, um ultraje à sagrada memória do honrado bacalhau.
Cá fora, enfim, ao longo do rio, o mosteiro de Santa Clara, todo reparado, a cara lavada; a marina e os seus veleiros; a sempre muda réplica da caravela quinhentista, maré queda ao sol e algum excesso de gente, talvez. Mas é o Verão e a Vila do Conde da nossa infância. Como a mousse de plástico, com tanta filharada aos almoços e jantares...