O fantasma
A minha meninice, a caminho do período estival, passava sempre por esses escombros sem vidraças nem cor, mortos na berma da estrada. - É uma casa assombrada! - exclamávamos nós, de olhar pregado naquele cadáver ainda quase hirto. Uma carnificina de plantas bravias sugava-o até às telhas que se desprendiam, e a torre seria um viveiro de morcegos - de vampiros, aumentava eu e a minha trupe de irmãos, quase assustados pelo imagem da partida nocturna de um sem-fim de almas penadas esvoaçando entre os brasis de outrora e a pobre povoação de Rio Mau. Sinistramente.
Foram anos a fio. Até que num já imemorial Verão deparámos com o edifício ressuscitado, todo muito cor-de-rosa. E bem ajardinado. Algo sucedera!
Viemos a saber depois, a vontade de o adquirir incluia, de longa data, bastos interessados (na casa e nos seus terrenos agrícolas entregues a um caseiro) logo debandando ao ouvir estranhos e inexplicáveis ruídos que, na terreóla, haviam criado a sua fama de casa possuida pelo Diabo. Até ao dia em que alguém, mais afoito, decidiu investigar.
E as conclusões não tardaram. Era o caseiro, absolutamente interessado apenas na sua lavoura, que produzia tão assustadores barulhos. Um novo dono e patrão é que jamais! Como a vida lhe corria, nem renda pagava... Assim lhe valiam os "fantasmas".
Nunca cheguei a apurar quem foi o valente e persistente. Mas o certo é que a tramoia do caseiro de Rio Mau foi desmontada. E ponto final. O homem seguiu a sua vida, evaporaram-se as ditas avantesmas e também os dias voltaram a nascer solarengos na Villa Figueira, já recomposta e de portas abertas ao destemor e aos novos proprietários. E assim permanece, espreitando o trânsito (que na canícula vai além dos limites...), não longe das praias. A saborear os seus jardins, a quietude do lado de lá dos seus muros. Com certeza sem a assombração do velho caseiro de então.
(Para o Ministério do Rocambolesco, o desafio da Ana de Deus - https://rainyday.blogs.sapo.pt/tag/o+minist%C3%A9rio+do+rocambolesco)