Percevejos do Fundão
Foi a chegada com a tarde a torrar e as ruas repletas de mesas e gente, prenúncios de festa. O "alojamento local" era mesmo ali, em edifício idoso de porta misteriosa - o quê, do lado de lá? Descansar, dormir, era a prioridade do momento... E assim começou a saga do Fundão...
... Começou numa entrada estreita apontada a uma escada em caracol; o restante, surpresas a desbravar entre quantas pinturas reza a História foram roubadas dos maiores museus da Europa. (O menino lacrimejante...) E no first floor, escuro, esconso, comprimido, mais arte, menos claridade, um indefinivel número de portas de cárcere destes e de tantos outros inocentes. Moralmente, esteticamente, um lupanar da preferência do "mancebo que vai às sortes" de há muitas décadas atrás.
O Fundão ardia sem cerveja ou água que o apagasse. Mas houve tempo para um descanso - sempre entre óleos roubados e ignotos, afinal escondidos na Beira Baixa, - antes da volta pela Rua da Cale, pela Rua João Franco e por essoutra nomeada com o número cinco do ignóbil Outubro de 1910. Entretanto, o alarme, os primeiros sintomas no "alojamento local", - percevejos, republicanagem!!!
Seguiu-se o passeio, as t-shirts alagadas e o regresso. Era noite. O mais velho, sem luz de cabeceira nem televisão, encomendou a alma ao Senhor e passou revista aos seus 64 pecaminosos anos de existência; o jovem desceu novamente, gozou o serão, parodiou com uns excêntricos de Manchester (baralhados na época das cerejas...) e ouviu fados concupiscentes. E veio dormir, estenuado.
Eles atacavam nessas horas empolgadas. Picavam, saboreavam, regalavam-se. Mas o ancião dormia, sem forças, no estertor. Sequer se apercebeu da mensagem, já o dia clareava, no telemóvel - «Pai, apanhamos o comboio das sete, piramos-nos e não pagamos!»
Porque o pai era o velho e o filho o dos fados. Logo cedo, os lençois da cama deste mais se assemelhavam a um bárbaro campo de batalha. Contra os percevejos. Tinto de sangue, vermelho matinal, horas demoradas de combate pela vida!
Ferido quase de morte na surpresa da emboscada, o idoso nortenho ainda logrou forças para enfrentar o dono do albergue. O seu corpo tomava formas de lazarento. Mas não lhe faltou a voz minhota e o beirão reconsiderou, liberalizou-se ao extremo e, de tudo, somente restaram os ferimentos dessa nocturna peleja. Mais uma sande de fiambre e um copo de sumo de pêssego.