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Jam Sem Terra

(MAS COM AS RAÍZES DE SEMPRE)

Jam Sem Terra

(MAS COM AS RAÍZES DE SEMPRE)

S. Martinho de Anta, o berço de Torga

João-Afonso Machado, 01.03.25

«Sinto o medo do avesso», é somente assim o poema «Ignoto» do genial literato, Nobel moral da nossa contemporaneidade. Nado em casinha humilde em S. Martinho de Anta, do concelho de Sabrosa, às portas do Douro vinhateiro.

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Os seus afazeres de médico em Coimbra terão dado um primeiro contributo, quem quer acrescentou o restante - a morada pobrezinha fez-se challet, já recebe com requinte; no portão, um fac-simile da sua assinatura de literato. Ir a S. Martinho de Anta é absolutamente necessário à reviravolta dos seus receios de finitude, um produto do Torga propalado como um embrulho do Positivismo.

De Vila Real, por Constantim, é o instante estradal de uma freguesia mais. Não mentirei se disser com entrada pela Rua do Fundo do Povo (ou seja, do povoado), onde a pedraria já salta em beleza. Envolvendo-a, as serranias por «Paisagem» - «Hirtos, os montes velam/O cadáver gelado do meu sonho./Num desespero íntimo, contido,/Que seca na raiz toda a verdura,/Velam seu corpo astral, caído/Numa vala sem fundo de amargura.»

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E, de rompante, o Largo do Eiro. Amplo poiso de uma feira àquela hora já a desfazer-se.

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Em redor, a fonte e o tanque para o gado, para as gentes, água benta das moléstias do braseiro nos "três meses de inferno"

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e um casario portentoso, cheio de pose e conservação

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neste lugar central dos "antenses" que ali se reunem, conversam e assistem ao passar dos seus dias de uma terra dura, pouco amável, sôfrega. 

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Frios versos de inverno.../Que musa me regela/o coração?/Ah, quem me dera aquela/Ida e primaveril inspiração!») Pois! Assim depressa cincelando as veias - o "cincelo", tão da escrita de Torga - como a esturricá-las mortalmente.

Este dia o nevoeiro fez-se frio entranhado. É preciso um homem chegar lá para sentir saudades das luvas. No fim da rua, semelhando um fantasma, a igreja paroquial e o cemitério, resguardado mais além um pouco.

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É um cemitério pobre./Fica à beira da estrada,/E qualquer tempo o cobre/Duma sombra de nada./Vão a enterrar ali/Pobres almas singelas/Que viveram aqui,/E só ali são elas.») Como a de Miguel Torga, que escouceou panteões e jaz na sua S. Martinho de Anta, em campa rasa.

Nunca poderia ser esta uma visita turística, mesmo porque não faço turismo apenas sinto com os olhos e com a escrita depois, talvez. Contando pedras, como as da Rua das Quintãs, vozes e gestos, horizontes.

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«A vida é feita de nadas:/De grandes serras paradas/À espera de movimento;/De searas onduladas/Pelo vento;/De casas de moradia/Caídas e com sinais/De ninhos que outrora havia/Nos beirais;/De poeira;/De sombra de uma figueira./De ver esta maravilha:/Meu Pai a erguer uma videira/Como uma mãe que faz a trança à filha.»

Assim dei azo a que Torga falasse da sua "belém" em estrofes que nela escreveu nos seus Diários. É o nosso orgulho, o Mestre da Literatura do nosso tempo, do tempo em que vivemos. E está, obviamente, no pódio da toponímia local. Dispõe ainda de um "Espaço" do risco de Siza Vieira

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uma fartura de imagens e reproduções de escritos e episódios seus. Deste escritor e médico que, na sua grandeza e na sua humildade, viveu sofrendo a dúvida da Eternidade que agora sabe ter alcançado...

 

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