Santarém, lá no alto
Quando aterrei na estação ferroviária e pedi informações sobre o Jardim da Ponta do Sol, - o sol queimava já e alguém, espantadamente, apontou o dedo quase na direcção do grande astro, como quem recomenda o táxi. Mas estava fora de causa. Velhinho assumido, sem despregar a mochila, onde antes chegaria mais depressa chego agora com vagar, a passo curto e felizmente não ofegante.
Foi uma jornada e pêras até aos vestígios do medievo castelo de Santarém! Lá no topo, em recônditos trajectos de Mendo Moniz na tomada da fortificação - cujas portas rachou à machadada - na sua tomada aos sarracenos. (Para que se saiba, daí surgiu o apelido Machado e os meus "papiros" dizem-me dele um ascendente directo, sempre na varonia. Enfim, vaidades...) Ora, como não trepar tantas ladeiras, ainda por cima com uma mochila e um boné, apenas, que o velho Mendo Moniz esgalhou de armadura e elmo?
Cheguei, por fim. Suando, mas sem arremetidas e lanhos inimigos, esquecidas cimitarras...
Entrei no jardim sem necessidade de arrombamentos e subi aos torreões, regalei-me com o Tejo. Logo compreendi a ganância islamita pelo olhar pacificado da lezíria sem prazo. Respirei muito fundo e deixei que o silêncio tomasse conta de mim, ou da minha história. A montante e a juzante, - o grande braço do rio maior.
Talvez tenha erguido a espada. Se o fiz, era a espada do mundo vindo de longe, vislumbrado de entre as ameias a caminho para o sempre, vista maior e fiel ao infinito.
Depois desci. Passei a igreja da Alcáçova, confinante com o Jardim e as suas ruínas,
o esqueleto do Teatro Ana Damasceno, em quarteis de poisos culturais que o passado recente devorou,
tudo evidências de uma Santarém mais viva, mais apaixonada. Bateu-me no olho o pórtico manuelino de Santa Maria de Marvila.
Sempre por íngremes rampas que me conduziriam ao velho mercado escalabitano,
onde dei por finda a visita e fui descansar - o dia seguinte, logo na alvorada, estava dedicado à Azambuja...