Um lápis de carvão
Matutou, voltou a matutar e sorriu, abanou a cabeça. Depois escreveu:
«Meu filho - sei bem que estudaste e o mundo é hoje outra coisa diferente desta por cá. Sei mesmo que fazes pouco da nossa vida de trabalho agarrado às máquinas e ferramentas, e não deitei fora a papeleta que me deste com o número do teu telefone. E olha, cá vim à venda do Ângelo, consoante combinámos, para te ligar e conversarmos um pedacito. Sim, porque também eu gosto mais de ouvir a tua voz e, como tu dizes, melhor será quando te puder ver como na televisão, a modo de sentados à mesa, no paleio os dois. Mas sucedeu esta noite, disse o Ângelo, caiu o pinheiro velho junto à cancela das terras do Joaquim e levou tudo debaixo dele, o poste da electricidade e os fios do telefone, fora um lanço de ramada. É como estamos, à luz das velas e a escutar a telefonia. Felizmente trago comigo sempre o lápis com que risco as tábuas na serração. Andando comigo no bolso, se algum pinheiro velho o esmigalhar pouco sobrará também do teu pai, rapaz. Assim te mando um beijo e um abraço que amanhã cedo recebes seguro aí na cidade, aonde o regedor vai de corrida para mandarem alguém repor a electricidade e o telefone. Fica então para a próxima, cá guardo o teu número, e o prometido é devido logo que consertem as linhas, quando não sei.
Deita-te a benção, o teu pai muito amigo.»