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Jam Sem Terra

(MAS COM AS RAÍZES DE SEMPRE)

Jam Sem Terra

(MAS COM AS RAÍZES DE SEMPRE)

Estranhas faculdades (temo que sim)

João-Afonso Machado, 29.05.23

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Já lá vai metade da vida quase. Esse fim de semana foi em Coruche onde a tropa chegou ávida de uma jantarada à maneira. E que jantarada!, daquelas que só com trinta e qualquer coisa anos se aguenta. Assim mesmo obrigando ao passeio digestivo antes da recolha aos quartos - para uma noite mal dormida, agitada em sonhos e acordares, voltas e voltas no desconforto da cama.

Lembro bem, a pessoa de FW (nem sequer caçador) não me largou a madrugada toda. FW era um amigo e correligionário, como os tenho às dezenas e dezenas. Encontrávamo-nos com regularidade, o trato era o melhor e bem conversado, mas nunca, ao menos, nos visitámos em casa um do outro.

Então porquê tal fixação? Essa noite FW não me largou. Surgia com as suas barbas peitudas, dizia coisas, outras dele outros diziam... Eu acordava com FW nas ideias e tornava a adormecer, e sempre a sua expansiva figura nos mistérios do subconsciente vinda à tona. Somente de manhã, indo para o monte, esqueci FW e me dediquei a uma caçada raquítica de alguns coelhos a saltarem ao tiro. Uma caçada que, segundo a lógica, decerto rapidamente esqueceria.

O que não aconteceu apenas por esta inexplicável razão: a agitada noite povoada pelo FW, - quando chegámos ao Norte soubemos, foi a noite última, fatal, de FW. Morrera o meu amigo nessa véspera da caçada, no regresso a casa vindo não sei de onde, pela média madrugada,  vítima de um acidente de viação.

 

(Para o Ministério do Rocambolesco, o desafio da Ana de Deus - https://rainyday.blogs.sapo.pt/tag/o+minist%C3%A9rio+do+rocambolesco)

 

O abelharuco

João-Afonso Machado, 24.05.23

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Nunca lhe caçara as cores,  tão garridas, a este papador de insectos. E foi preciso ir longe de casa: em viagem ao Fundão, já quase em época das cerejas, onde o abelharuco também deve abichar uma gostosa quantidade de larvas. Aquele bico afiadinho não está ali para outro efeito...

Seguia um quelho qualquer na Cova da Beira e foi necessário parar o carro, com o disparo fotográfico saindo pela janela para um grosso cabo entrançado sobre a minha cabeça. Que pena! -  o cenário não ser outro. Mas enfim... E uma coisa resulta certa: no capítulo da ornitologia a Beira Baixa dá cartas. Há de ser a nossa capital. Por aqui me demorarei mais uns tempinhos. 

 

Fantasmas com todas as letras

João-Afonso Machado, 01.05.23

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Já não faço contas ao tempo ido: foi o meu primeiro processo forense a sério, conquanto a questão versasse somente o apoio abusivo num muro do meu constituinte. Mas tudo se passava nas severas terras da comarca de Alijó, em uma pequena aldeia pendurada sobre o Pinhão. O querido e saudoso parente e Amigo confiou-me o assunto, bem ciente que jogava o seu prestígio e autoridade entre os vizinhos com este novato. Mais a mais, da outra parte era mandatário uma velhíssima raposa (há muito desaparecida) de Favaios, advogado republicano revanchista mortinho por dar com força nos da nossa hoste.

Até aqui não haveria história. Mas sucedia toda a família dessa antiga mansão jurar ela estar prenhe de fantasmas. Alguns já os tinham visto: a presença silenciosa e sorridente, na sala, de um homem loiro e de olhar azul, os calções enfunados à século XVI...; aos mais fora a comunicação ultrassensorial - Manda rezar uma missa no dia tal de cada mês e procura nas fundações o ouro do meu dote - segredava-lhes ao ouvido a Senhora assassinada pelo morgado seu marido. Pelos vistos, o outro mundo trazia ali fantasmagoria para todos os géneros, gostos e interesses...

Culminando este ambiente, a carência de luz eléctrica e as velas circulando nos castiçais logo que o dia fosse embora.

Ainda vinham muito longe as auto-estradas. E sendo demoradas e cansativas as viagens para o Douro, fixada uma audiência no tribunal, íamos de véspera. Até porque eu conseguia marcações para as quinta-feiras à tarde, levando a espingarda para as manhãs às perdizes nos vinhedos.

Mas na noite vespertina... Os episódios eram tantos que, recolhendo ao quarto, o castiçal na mão, encetava uma qualquer leitura que pouco durava pelo bruxulear da chama a cansar os olhos. Restava dormir, mas o sono parecia aguardar o cavalheiro quinhentista ou as vozes do Além. O que tudo nada me apetecia...

Vai daí, uma solução apenas: carregar a espingarda e encostá-la à cabeceira da cama. Viessem as assombrações! Seriam dois tiros e os outro vinte e cinco mais até esgotar a cartucheira pendente na gaveta da mesinha. Algum deles enxotaria as aparições!

Nunca os fantasmas me incomodaram nessas noites precedentes da litigância forense. Esta foi dada extinta a nosso gosto pleno. E anos volvidos e a casa já transformada em icónico turismo de habitação, enfim electrificada, jamais esses entes, não imunes à minha arma, incomodaram os hóspedes. É que, entretanto, um portentoso rol de missas sossegara as almas ali penando... 

 

(Para o Ministério do Rocambolesco, o desafio da Ana de Deus - https://rainyday.blogs.sapo.pt/tag/o+minist%C3%A9rio+do+rocambolesco)