Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Jam Sem Terra

(MAS COM AS RAÍZES DE SEMPRE)

Jam Sem Terra

(MAS COM AS RAÍZES DE SEMPRE)

"Memorial dos netos em Souselas"

João-Afonso Machado, 01.12.23

MEMORIAL.jpg

É um hábito cujas raízes já nem rego: todos os anos, por esta altura, um livro mais editado, geralmente abordando temas de metafísica nenhuma, como é o caso. Uma promessa aos Primos, podia ser só uma brincadeira porque havia sempre o escape de, no dia seguinte ao pantagruélico almoço da Páscoa passada, nem eu nem os restantes se lembrarem dela.

Mas cumpri-a. Vamos deixar a nossa casa de Souselas (tem de ser, e o que tem de ser tem muita força) e antes de fechar a porta, antes de entregar a chave, urgia ensacar e trazer connosco as nossas memórias mais ou menos antigas. E essa foi a minha promessa e a minha escrita de umas semanas. Parece que retinha na mente o bastante, a que acresceram as recordações de mais uns tantos. E um prolongado processo de selecção de fotografias de família, em relação ao qual invoquei o meu estatuto de neutralidade.

Souselas foi a nossa vida toda. Férias de maravilha que, para um aldeão como eu, valiam sobretudo pela companhia dos Primos, pelo café no fim da rua, pela electricidade (é: eu, poluidor, vivia a candeeiros de petróleo!) e pelo fartote de pescarias, manhãs e tardes inteiras agarrado ao rio. Curiosamente, em Souselas nunca conheci qualquer caçador. Mas contou-me há pouco um taxista do Luso, a sua serra era fértil em perdizes e coelhos!...

Pois, mas na altura devida (Outubro e Novembro) a casa esvaziara, e nós no liceu e em outros locais assim pouco recomendáveis. Entretanto, ainda na Década de 70, chegou a CIMPOR, comprou a serra toda, aramou-a e pôs-se a comê-la alarvemente para defecar cimento. Foi como ensombrou e borrou Souselas inteira, liquidou o peixe do rio e desertificou os campos acenando com empregos fabris. O tempo, esse cúmplice de todas as dores, matou os velhos substituindo-os por novos de quem somos apenas desconhecidos.

Era um mundo todo vindo por aí abaixo sem freio. Do mal o menos, a Junta da Freguesia terá voz activa nos destinos da nossa saudosa casa.

 

Castanhas e água-pé

João-Afonso Machado, 10.11.23

IMG_8470.JPG

Agora que o Alto Douro dormita todo despido ao frio - façanha, reconheça-se, não para qualquer um - as ideias seguem outros trilhos, outras bizarrias; não sei porque sim, mas arredias de Trás-os-Montes onde os soutos são como os milheirais aqui para o Litoral, amontoam-se também. Eram os ecos de Sernancelhe que pareciam chamar, para mais nesse dia da Festa da Castanha em vila tão simples, tão maciça de paredes vetustas. Uma não longa viagem, e de Lamego para a frente a Beira Alta começa a ganhar formas voluptuosas e os lobos invadem-nos a imaginação às alcateias deles.

(Há de ser por causa do turismo, com uma pontinha de inveja decerto, Sernancelhe pega-se aos durienses como ignorando a serra da Lapa, a Gralheira e todas essas setas apontando mais a sul o lugar das grandes cordilheiras...)

Pois, a Beira Alta é outro sentir. Talvez pela intraduzivel rudez da castanha com direito à sua festa anual muito molhada em água-pé. Talvez pelos arremedos de cães de guarda à solta nas vielas, pelo nosso olfacto adivinhando a Estrela ao longe. Tudo somado ao granito e às suas esculturas e excrescências, os altares de dúzias de moiras encantadas...

Fazia calor dentro do pavilhão das castanhas em Sernancelhe... Recomendava-se a compra, por valor simbólico, de um canequito já treinado em descobrir os pipos em que as torneiras abriam, enchiam e fechavam de borla enquanto a sede não fosse embora. (- Ó homem isto é o vinho dos pobres, sempre foi, água colorida no engaço, chegue-lhe com força! -). A castanha assada passeava em cestos nos braços de uns tantos voluntários e oferecia-se, muito anfitreã. Havia depois uns workshops, destino apenas da intelectualidade, e os stands dos produtos locais e das mais larocas carinhas indígenas; quando arribou a famigerada televisão, para uma tarde inteira, no relógio soaram as horas da decência e da despedida.

Mas até lá a sobriedade serrana beirã. Uma escassez de meios que faz das tripas coração e, de aldeias esvaziadas, chama por todos, não irá morrer sozinha. Porque o seu ar frio já esvoaça, aponta-lhe e dispara a castanha quentinha, a brincadeira da água-pé, Sernancelhe desce lá abaixo, ao barraco da festa, e volta a subir; patina no brilho da humidade do granito omnipresente, recolhe lenha que o inverno está à porta. Os dias vão curtos mas são demorados estes sonhos de uma terra de vagar na leitura e na escrita, mesmo até na escolha do papel e do aparo da caneta. 

 

Uma marca famalicense - SIM Chocolates

João-Afonso Machado, 29.09.23

IMG_8131.JPG

Se bem consigo reconstituir a história, o encontro deu-se em Hamburgo.  Assim longe, onde reside hoje a Emília, que serviu aqui em casa há 50 anos, e onde conheceu a Susana Azevedo, jovem empresária famalicense de chocolates artesanais, com clientela nesses inóspitos lugares. 

Tornaram-se amigas. Veio à memória da Emília o emprego doméstico de há tanto tempo. Nas próximas férias tornaria a Famalicão, tinha consigo o nosso recanto bem presente, cá comera e dormira. Telefonaram-me: se autorizava uma visita... Com certeza, autorizo, é só marcarmos o dia e a hora...

(A Emília igual, conservando sempre o seu sotaque transmontano, agora já avó. Foi um abraço, uma grande beijoca. E a oferta, a caixa de bombons.)

Era para mim novidade, desconhecia a marca. SIM - porque essas são as iniciais de Susana e da filha Maria Inês, sua sócia.

A embalagem é, além do mais, um manancial de informação, um catálogo legendado, ele há-os com e sem glúten, com e sem açucar, lactose, óleo de palma. E bombons vegan, até!

E a caixa foi toda, essa noite...

Restou o sabor, o telefone para encomendar mais, uma morada em Ribeirão, freguesia do nosso concelho... e um plano ainda fluído relacionado com o porto de mar de Hamburgo.

Em suma: muito obrigado e muitos parabéns aos SIM - chocolates!