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Jam Sem Terra

(MAS COM AS RAÍZES DE SEMPRE)

Jam Sem Terra

(MAS COM AS RAÍZES DE SEMPRE)

De passagem por Loulé

João-Afonso Machado, 01.10.25

Da estação da Praia da Quarteira-Loulé à cidade ainda vão uns quilómetros atormentados pelo sol algarvio, esturricador das cabeças sexagenárias. Os autocarros são como as bruxas, só visiveis em noites de luar, os taxis escacham-nos a carteira e os ubers... um mal menor. Foi num deles que parti a dar uma volta por Loulé.

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Visita fugaz e uma primeira nota: a Rua da Barbacã, topónimo que ainda soa à pedraria chovendo e cheira a pez ardente na cabeça dos infieis. Lá se evidenciam os seus restos, os da muralha e os das torres, sitiados por hordas germânicas e anglo-saxónicas. (0s cruzados da nossa salvação económica...) Somos sempre uma nação em guerra, não há dúvida!

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Depois Loulé corre algumas avenidas e descansa à sombra, nas esplanadas dos seus botequins. Em antevésperas eleitorais discute política e quem passa ouve coisas curiosas, outras mais tenebrosas, a cadência das vozes é geralmente de protesto. Por fim, vai ao seu afamado mercado,

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nem pestaneja na parte tamanhona destinada ao artesanato e gasta a sua atenção nos produtos do mar ou da terra.

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Ainda antes do almoço vislumbrará fenómenos incriveis, como a galo de Barcelos implantado em Trás-os-Montes e o vinho fino duriense de gargalo poisado em Melgaço.

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Até que, estenuada, sedenta, se perde na estreiteza de ruas labirínticas, muçulmanas, povoadas de casas de comida e de lençois brancos que lhes conferem sombra e frescura.

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Loulé é isto. E um pequeno-grande mais: a tímida capelinha de Nossa Senhora da Conceição, entalada no casario, não longe do mercado.

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Quase irreconhecível mas visitada como merece a Rainha e Padroeira de Portugal, no seu altar em que a talha dourada não destoa da dos seus congéneres minhotos.

 

Soure

João-Afonso Machado, 06.09.25

Edifícios antigos e azulejaria artística, comércio honesto, caseiro, sobrevoando o rumor imenso da grandiosa e suada praça. 

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Duas esplanadas atulhadas de gente e da escorrência de liquidos gélidos. Era o centro de Soure e o distrito de Coimbra conquistado pelo calor do inferno.

Seriam as muitas dezenas de caras de sempre, com hora certa, postas cada uma no lugar respectivo, delícia no observatório de Ruben A. (ando com Ruben A. atravessado nas minhas leituras e na escrita - «o que é que eu queria ser na vida? Pião de nicas? Ser apara-lápis? Espantalho da passarada? Amanuense de letras para desconto? Qual a minha missão na vida? Educar os outros? Instruir os alheios? Vestir os pobres? Despir os ricos? Rezar pela alma dos defuntos? Fazer promessas de bom comportamento? Todos com uma missão.»).

Atordoadamente assim, já a fugir a ideais colectivos e mantendo as demais interrogações, procurei respostas que não obtive na neo-manuelina Câmara Municipal desta que foi a terra do Marquês de Pombal (que queimava os ricos e enforcava os pobres),

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sequer nas ruínas do castelito, guarda avançada do reino ainda contido na margem de lá do Mondego.

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Vagueei desorientado, esbarrei nas águas do Arunca, na sua ponte,

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a montante, na sua face ainda românica, a contrária à deste milénio, por onde os transeuntes circulam sobre o ferro. E na represa, no peixito que sempre me lambuza vontades. Melhorávamos... E o rio estendia-se em favores à canoagem

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um tanto a estragar intentos contemplativos e aquele nicho made in Alabama onde me fartei de fuzilar pontos de interrogação. Qual «espantalho», qual «apara-lápis»! - caderno e letras nele com força! E retratado todo o vigor da madeira e da telha, até o do encaixe de zinco, era afinal a Geórgia e a infância de Ray Charles.

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O que veria, na sua cegueira de anciã, a personagem sentada na varanda do rés-do-chão? Só podia ver a vida  passar na corrente do Arunca, horas a fio, horas de desabafos ou amuos, diferentes de tão iguais sempre, salvo em discussões invernosas com o caudal a ultrapassar os limites do civismo, vindo por aí a cima de voz grossa e crescente...

Mas, para já, era a frescura do fim de uma tarde custosa e silente, pesada e envolta em moscas. Aquelas bandas iam descansar, cumprir a sua «missão».

 

Por águas da Praia da Leirosa

João-Afonso Machado, 18.08.25

O mar um lago azul em dia de pardelas a banhos.

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Às 14 horas, rigorosamente, a tripulação encetava a operação. Comigo um meu filho, recebendo o baptismo nestas histórias, e a amabilidade de sempre do Patrão Rui Leal. Com cada qual o seu posto e muitas recomendações às minhas alvíssimas barbas, outras tantas ao neófito, barbado ainda acastanhado, creio que ambos absorvendo a agradável sensação de ser marítimo, pescador e vencedor das (essa tarde arredias) ondas.

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O Patrão à proa, o lugar dos arrais, nós meninos bem comportados sentados no primeiro banco, e o pessoal ao leme, no motor, no controlo da rede que no correr do percurso ia ficando nas águas.

Ao longe a Praia da Leirosa (e do meu coração), cada vez menor, sempre reduzindo, muito tolhidinha, até ao ponto de inversão, rede ao fundo e a boia lançada fora de bordo como um sinal luminoso.

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O filho curioso de toda a actividade. O pai recordando os idos dos remos e dos bois, do alarme instalado no areal em dias de mar mais agitado; e gozando a beleza, a harmonia da faina, a experimentada movimentação dos seus actores, tudo o que uma companha traduz de força na vida. Para norte, a neblina sempre um recatado véu envolvendo a Figueira da Foz até aos confins do Cabo Mondego...

Mas a velhice não perdoa e o estatelar no casco da embarcação foi a sua resposta ao sacão do tractor a iniciar o reboque para cima. (Não, a máquina fotográfica felizmente escapou incólume...)

Era finda a navegação. O Estrela do Mar da Leirosa recolhia ao descanso.

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A rede chegaria uma hora depois, muito palpitante de carapau. Seguir-se-ia a lota. E um abraço agradecido ao Patrão Leal por estes tão expressivos momentos que nos proporciona.