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Jam Sem Terra

(MAS COM AS RAÍZES DE SEMPRE)

Jam Sem Terra

(MAS COM AS RAÍZES DE SEMPRE)

Do nosso amigo José da Xã

João-Afonso Machado, 01.06.23

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Chegou há uns dias mas, além do indispensável telefonema a agradecer, optei pelo silêncio antes de completar a leitura do seu Quatro Desafios de Escrita.

Anote-se, só participei no último dos referidos exercícios - embora começasse a blogar em 2010, apenas no curso dos infelizes meses de covid me apercebi do que eram as "subscrições" e entrei neste rodopio de visitas às "casas" uns dos outros. Foi então que conheci o José da Xã e o seu blog LadosAB (https://ladosab.blogs.sapo.pt/) e tanta boa gente que por aqui anda.

Donde, também, a novidade dos personagens Malquíades, Elizário e Valdemar que eu considero a melhor encenação do que somos nós próprios, personagens das nossas vidas, humanos simplesmente. Tal como Irene Lisboa (pelo meado do século XX), o José consegue heroicizar o não-herói, isto é, o homem ou a mulher do quotidiano, em pequenos episódios em que o curial ou o inócuo são muito o seu desfecho, como a toda a hora nos acontece todos os dias.

Aprecio imenso o género literário. Irene Lisboa chamava-lhe qualquer coisa parecida com o «amor à banalidade»... - mas ninguém como ela desenhava os passarinhos canoros nas gaiolas, os craveiros das janelas da sua cidade de então, ainda muito arregimentada em bairros...

Em suma, foram momentos de excelente leitura. Venham mais livros do José da Xã a continuá-la. Porque daqui vai já um grande, sincero, agradecido e amigo abraço para ele, escritor, deste companheiro que para breve prevê os dois em glorioso almoço no lado velhinho da Amadora.

 

Enquanto o comboio não chega

João-Afonso Machado, 13.05.23

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O suburbano acabou de partir e nele as meninas e meninos todos de regresso das aulas. A gare esvaziou. Calou-se. E o comboio de longo curso ainda demorará a chegar.

A tarde vai solarenga, fugazmente perturbada pela voz roufenha do altifalante: coisas sem importância como, por exemplo, o crónico atraso do intercidades. O mais é o mais saboroso intervalo no tempo.

São as sucessivas paralelas traçadas pelos carris; quer à esquerda, quer à direita, o curvar da ferrovia ao longe, no rumo de todas as interrogações da vida. A estação, um local de passagem que parece perpetuar-se num instante imenso sem pontos cardeais. A plataforma toda de ninguém à sombra das suas coberturas. E nas imediações as pombas e a pardalada à cata de migalhas, o trinado dos melros.

O chefe da estação é uma memória fardada de castanho com botões dourados e charlateiras, na mão em vez do bastão de comando a bandeira vermelha enrolada. Os compridos e desocupados bancos de espera uns excelentes beliches, não surgisse uma besta qualquer, um funcionário, impedindo um solitário de se estender num deles e tirar uma soneca com a mochila por almofada... É o inferno dos regulamentos, nem no mais filosófico dos recantos - a estação de comboios - nos vemos livres deles!

 

Far-Alentejo

João-Afonso Machado, 01.04.23

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Montado na minha égua na rota de Vila Viçosa. Por todos os caminhos da outra banda da poluição e dos comboios embolorados pelas greves. Na quietude da paisagem serrana.

Montado na minha égua, assustadiça paz de alma lusitana imortalizada pelas dores de que as minhas costas ficaram a padecer nos séculos, depois do estrondo repentino, o pé ainda fora do estribo, o galão fortíssimo, aterrorizado, e a queda sentado no chão de uma manhã de geada. Mas sempre de confiança, a minha égua, a minha montada, sempre dócil, a bastar-se com o bridão no lugar do freio e um simples selim a poupá-la ao cansaço.

Montado na minha égua vencendo o Ave evidentemente na Barca da Trofa; e o Douro mais acima, para Caldas de Aregos, não há como lá não desenrascar uma travessia. O Mondego tenciono passá-lo antes de ele ter nascido e em Vila Velha do Ródão já a minha égua cavalgará estrada fora sem motores nem roncos além dos grunhidos dos javalis. Depois a ribeira de Niza, que o calor vai fazendo das suas, a barragem do Caia, Elvas à vista e um estradãozito final até Vila Viçosa.

Montado na minha égua, cheguei e chegarei e torno ou tornarei a esta freguesia no coração do meu concelho famalicense, de onde não sei se parti ou estou de partida ainda, mas que alcancei Vila Viçosa já alcançarei montado na minha égua que cavalgava há trinta anos saltando brechas nos prados como saltarei o presente atrás de um amanhã sempre depois de amanhã.