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Jam Sem Terra

(MAS COM AS RAÍZES DE SEMPRE)

Jam Sem Terra

(MAS COM AS RAÍZES DE SEMPRE)

Aves em Vilamoura

João-Afonso Machado, 05.10.24

Três dias na Aldeia do Golf por imensa simpatia de um querido Amigo alentejano, três dias de descanso e piscina, de livros e caneta. Foram três dias realizados com a nuance da passarada. Ou seja, três dias de máquina fotográfica em riste, escondido tantas vezes atrás de um pedregulho, que a variedade era muita e desconfiada.

Chamaram por mim, inicialmente, as poupas. Às manadas, pastando vermes nos relvados.

POUPA.JPG

Imenso perdão lhes tenho a pedir pela sanguinolência dos meus primeiros anos de espingarda, a não deixar fugir o seu lento voo. Coisas de rapaziada tonta... Agora apenas ditirambo a sua beleza, a crista erguida alarmada, o bico longo esgravatando. Mas nos prados da Aldeia do Golf havia mais. Como a alvéola amarela (por cá chamamos-lhes levandiscas), variedade incomum, bicando na mesma manjedoura.

ALVÉOLA AMARELA.JPG

As aves tem esse contra quando a gente não passa apenas assobiando para o ar. Herdaram-no dos seus antepassados: uma máquina de nariz comprido apontada poderá significar um prolegónomeno de morte, um tiro, e o inocente que quer só fotografar come pela mesma bitola. Assim nos viram o peito, sobrando somente as suas cores.

Por isso o retrato escolhido - distante - das mui abundantes pegas azuis.

PEGA AZUL.JPG

A pedir a descubram nos carquilhos da palmeira. É um bicho execrado na Beira Baixa, - para mim uma novidade (abundante) em Vilamoura - uma ave acusada dos piores desmandos nas terras, não há mal de que não seja culpada. Veio sozinha ao Algarve ou alguém a trouxe lá?

Chegara, entretanto, a hora da piscina. Com uma oliveira à ilharga e, nesta, um pipilar tranquilo, entrecortado. Já um homem não consegue ficar quedo! E são horas depois a tentar localizar o irrequieto passarinho. Um chapim azul!

CHAPIM AZUL.JPG

O dia seguinte foi de marcha pedestre até à Marina. A par de um trânsito suave feito de boas máquinas. É Vilamoura... São os campos de golf, os lagos e os cágados, a proibição de entrar. Mas no percurso apanhei um distraído maçarico galego, ignoro por alma de quem debicando em curva as ervas junto à estrada.

MAÇARICO GALEGO.jpg

Até chegar a manhã da partida. Enquanto enchia a mochila, o estranho trinado cá fora, já lá ia a hora dos melros. Saí com a máquina. Na chaminé da casa vizinha, quedos e pedinchas, uns estorninhos pretos!

ESTORNINHO PRETO (júnior).JPG

Meninos ainda. Os pais andavam por ali. O comboio para o Norte já não andaria longe também. Fiz o que pude: em Vilamoura a piscina, afinal, é apenas um intervalo.

 

De volta

João-Afonso Machado, 01.10.24

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A saída dos passageiros teve os seus momentos de emoção e o Alfa, que se abeirava caladinho e num instante se enroscou na estação, orientou-me na rosa-dos-ventos, apontando o norte que será o meu dia todo.

Quatro rectas em ferro sem fim nem conciliação. Nos bancos da gare alguns preguiçosos preguiçando. Felizmente as nuvens e o vento moderam o sol. Somente do cantinho das bifanas, às vezes, alguns rumores, ou mesmo a nitidez de uma gargalhada.

Como se arranjaria Jorge de Sena para demonizar esta mansidão e enchê-la de personagens e de tiques?

Talvez se agarrasse a uma mexicanada que acabou de brotar de um telemóvel algures. Ou historiasse os trabalhadores calçando uma passadeira de pau lá no cu da linha. A estação não tem altifalante e o relógio de pé alto na sala de espera está certinho. O funcionário da bilheteira é atenciosíssimo e há um gajo com um chapéu acauboiado sentado no exterior: sou eu, a escrever.

O mais são horas sobre horas, não tarda a fome e a sede também. Jorge de Sena é provável contaria sobre as andorinhas, que todas já foram indo à frente. Óscar Wilde era simplesmente um exagerado, um piegas. Como alguns patrícios espalhados por aí, nos bancos da estação. Então ninguém sente o ambiente texano que se abateu sobre esta espera?

(Maldita motosserra, lá no cu da linha, que não me deixa, enfim, ouvir o Algarve!)

 

Com o coração nas mãos em cima do joelho

João-Afonso Machado, 10.09.24

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Meu velho e querido Amigo:

Este postal da Leirosa segue rápido e curto de palavras, muito grande de saudades. Mas como se o carteiro só tivesse de caminhar duas portas entre o remetente e o destinatário num trajecto de meio século. Foi tudo demasiado depressa, a tua partida à frente sem esperares por a gente. E a Leirosa parou, o mar chora ondas infindas sobre o barco do Leal que, aliás, não sai para a pesca porque os tractores avariaram e as redes dormem no areal.

Uma eternidade o mar, tal como tu, o que ficou da Leirosa agora calada e tristonha. Mas fui, o nosso encontro foi lá, comigo a escrever-te lembrando agora que sequer deixaste o teu código postal... Bah! Isto iria sempre um bocado atrasado já, de certa forma.

Dei um grande abraço ao teu irmão, com quem almocei, e tive o gosto de um beijo à Senhora tua Mãe que me reconheceu de pronto.

Assim mais próximos do que distanciados, não precisarás de outras notícias. Estamos em contacto. 

Por isso o enorme abraço que faltou naquele dia. Porque não pude, tolheram-me os meus afazeres e a fraqueza do meu espírito. Assim me perdoes tu, velho Amigo. Esse abraço que é sempre Passado, porque sempre presente, e com as maiores saudades do

João-Afonso