Um minhoto na Capital
O passeio à Ericeira era conversa de muitos anos, já tantos que eu conhecia de cor a história do chalet dos tios milionários e a estrondosa ovação na Ribeira de Ilhas, assim tilintassem no areal as pulseiras da minha loira amiga.
De modo que acabámos por ir. Na camioneta apanhada no Campo Grande, porque cedera o carro à sua irmã, assunto inadiável... (A quem, de resto, muito grato fiquei, à irmã e ao assunto...) Fomos confortavelmente pela A8, saímos na Venda do Pinheiro, revi o Convento de Mafra, o santuário do José Franco, e até gabei o especial encanto da gente saloia...
- Saloio é você! - interrompeu brusquíssima. - Não, não, eu serei decerto um parolo - expliquei pausadamente e sem pormenores sobre a minha cotação nortenha. E em detalhe falei de Torres Vedras, da Amadora e de Loures antes do betão, da Sintra de antigamente, de Arruda dos Vinhos... Em suma, dessa região aproximada de Lisboa de onde, ainda no tempo dos avozinhos da minha querida e precipitada amiga, chegavam diariamente, estafados e cinzentos de orelha caída, dúzias de burriquitos carregados de hortaliças, legumes, farináceos, frangos e anhos para a Capital se alimentar. Chama-se "saloia" tal região e eu não era culpado de terem deturpado o designativo. Que fosse ao seu Google de estimação confirmar isto tudo.
Creio ter sido veemente. Não houve contradita.
Enfim a Ericeira. E o Jogo da Bola, as Furnas, a Praia dos Pescadores (o chalet dos tios milionários uma ruína torpe), e o Hotel, agora chamado Vila Galé, a lembrar não sei que novela progressista do José Viana, que Deus haja. Apontei-lhe a lápide na Capela de Nossa Senhora da Boa Viagem, evocando o respeito dos ericeirenses pela nossa Família Real, a caminho do exílio.
- Ora! Lá vem você com a pantominice da Monarquia!
Uma vez mais me calei. A Princesa das Astúrias deve estar a aparecer por aí, em visita oficial, e imagino a minha amiga, saidínha do cabeleireiro, reluzindo das pulseiras, a correr para Belém e em biquinhos de pés a bater-se à recepção. É claro, estando eu já de volta à minha plurissecular parolice minhota...