Visita à Sortelha
O problema da Sortelha é a sua qualidade de vila velha e fortificada, o seu estatuto de "aldeia histórica" e a vaga de espanhóis e demais turistas que as suas muralhas já não contém. Contingências...
Tudo parecia correr bem. Nos meandros da serra da Pena, bravio de penedos e dos estevais onde o gado se esfola e, ainda assim, rumina indigestos almoços e nos acena pacíficos adeus...
A Sortelha dos cartazes publicitários depara-se-nos adiante, cobrindo um cabeço todo onde a atracção é o topo. É lá a dita "aldeia histórica", o pomo do desassossego. Com a aproximação, a par do castelo o granito e a telha, a confusão, vencida a porta desta vila antiga sede de concelho, hoje freguesia integrada no Sabugal.
(O carro fica estacionado muito atrás, entre imensos, na berma, manobra complicada a lembrar as noites das romarias minhotas...)
Entramos no roldão da massa compacta dos visitantes. Cada fotografia é uma espera longa, sob os holofotes das selfies em família. O mundo medieval ali reproduzido nunca foi assim. Mas, com toda a pachorra, as imagens vão surgindo. O castelo assume outro realce
assim como os antigos Paços do Concelho, agora a sede da Junta de Freguesia,
que o Presidente zelosamente fecha, farto - digo eu - de tanto movimento de gente. A tarde vai no início... O casario cerrado a sete chaves, que hoje é dia "deles". Foi preciso esperar muito para uma fotografia limpa do pelourinho e do que é o largo principal da antiga Sortelha.
Subir à torre castelã é gozar o oceano pacífico de tolices, até aos contrafortes da Estrela. Com o aspecto inédito de as ruínas da Misericórdia local serem fora das muralhas, a apontar o dedo para esse tão longe.
Os pés continuam por carreiros só deles, de poiso em poiso, carreiros matreiros onde aqui e ali deparamos com oliveiras, figueiras, laranjeiras, árvores sobrevivendo aos mortos, bocaditos de verde entre o esquentado da pedra
mantida como a preciosidade maior. Pedra trabalhada, quase toda ela, com a rudez da dos dias simples e antepassados; pedra silente que não merecia os ecos de tantas vozes; pedra antiga, de uns séculos que se conspurcam à força de uma plateia assim...
O mais ficará para quem visite a Sortelha. De lá trouxe apenas um pardal amestrado
em telha velha de telhado idoso, pardalito que, de tanto os mirar, já não teme os humanos
e mais uma imagem subidia deste aldeia igual a outras de antigamente - belíssima, somente com o sabor insonso de um museu mantido para o turismo... quase de baioneta calada. Não há mas sem senão...