Uma noite na Pousada da Juventude (Ponta Delgada)
Que a juventude está no espírito; que as datas não contam; que todos são bem vindos... Assim me deixei tentar pela estadia. Os hoteis perderam a cabeça e a chegada a Ponta Delgada era tardia, sem mais do que umas horitas de descanso antes do avião para S. Jorge.
O preço realmente excelente; o quarto de quatro camas (dois beliches); e os sanitários pertença da comunidade...
Eram as tais horitas só... De resto numa bela casa antiga senhorial, devidamente adaptada. A formigar de jovens de ambos os sexos e, se calhar, também dessoutros recentemente classificados. A menina da recepção, simpática e atenciosa, jamais me tratou por "avô". E pôs-me a chave na mão, indicou-me o quarto onde me instalaria no rés-o-chão do primeiro beliche.
Vim cá fora, bebi um Ucal e comi uma sandocha. Foi o meu jantar. Regressei e deitei-me, ainda sozinho, na expectativa das espécies exóticas que apareceriam a habitar aquele condomínio.
Não demorou surgiu um espanhol, autenticamente uma tatuagem andante, duas argolas, uma em cada orelha, alentado como um miura. Deixou umas roupas no cacifo e foi-se, não mais soube dele. Cabia-lhe o primeiro andar do segundo beliche.
E o que é mais: toda a noite ninguém chegou, solitário permaneci, com o grande alívio de qualquer condómino prudente.
De manhãzinha houve necessidade de me deslocar à casa-de-banho. Em cuecas corredor fora, abro a porta e... dou de caras com uma moça de nacionalidade não apurada. - It's only for ladies? - inquiri, aflito. - Both - respondeu ela secamente. E eu volvi ao condomínio, em busca da decência de um polo. De novo nos balneários, a rapariga entrara numa cabine e o namorado, junto a um lavatório, limava os calos em calções.
Só então me ocorreu estava descalço, de quantos atletas não teria já apanhado o pé? E fugi rapidamente. Para tomar banho, a utilização de uma toalha da Pousada custava 5 euros, o que veementemente recusei porque não colaboro em especulações. Por isso voltei, ainda em cuecas, com as botas a servirem de chinelos e todo o material de lavagem. Era agora a vez de uma bifa, bem compostinha, inexpressiva... - 'Morning - balbuciei, refugiando-me logo debaixo do chuveiro.
Enfim, outra vez no corredor, quase à porta do condomínio, pingando como quem mergulhou no mar, ia colidindo com uma mal-humorada senhora a caminho da sua higiene.
Vesti-me, vim ao pequeno-almoço e lá estavam elas todas na sala. Sepulcral silêncio! Foi o instante de meter uma bucha e largar Ponta Delgada fora por entre ruas, praças e jardins. Nunca mais! Antes a pensãozeca, mesmo dessas com a televisão no quarto só para enfeitar e o cilindro da água constantemente avariado.